Foto: Gterra
A sabatina do ministro Gilmar
Vitor Hugo Soares
Enquanto não chega o 1º de abril, data anunciada do esperado confronto em que deverá constituir-se o depoimento do delegado Protógenes Queiroz na chamada "CPI dos Grampos", o público das arquibancadas e gerais tem sido premiado com bons jogos "aperitivos". No jargão futebolístico tão em voga na era Lula, estes encontros até poderiam ser qualificados de "clássicos" do debate sobre política, justiça, imprensa e ética no Brasil pós-Operação Satiagraha.
Esta semana entraram em campo elementos novos e incandescentes, a partir da prisão de 10 pessoas vinculadas à construtora Camargo Corrêa. Entre elas quatro diretores da segunda maior empreiteira do País, acusados de crimes financeiros e desvios de dinheiro. Para culminar, a Justiça condenou Eliana Tranchesi, dona da butique Daslu, a 94 anos de prisão, por formação de quadrilha para praticar "crimes financeiros de forma habitual e recorrente, mesmo após a denúncia do Ministério Público Federal".
Beneficiada por um Habeas Corpus, ontem mesmo, à noite, a empresária dos granfinos deixava o Carandiru ao volante de um desses carros de cinema, impecalvelmente vestida e com um sorriso difícil de se ver em pessoa gravemente doente, como dizem que ela está.
Grana, política e poder misturados em jogo pesado, que promete lances sensacionais nos próximos dias. Ainda assim, merece destaque a atuação do ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, terça-feira (24/03), na sabatina organizada pelo jornal "Folha de S. Paulo", dois dias antes do presidente da República pedir o fim da pirotecnia retórica na PF, no Judiciário e no Ministério Público. O magistrado teve tratamento de "popstar" no Teatro Folha, e, em vários momentos da apresentação de duas horas de duração, mandou a moderação às favas.
O presidente do Supremo foi recebido com pompa e gala para ser entrevistado por profissionais do time principal do jornal (colunistas Mônica Bergamo, Eliane Cantanhêde, Fernando Rodrigues e Renata Lo Prete), além de felizes sorteados na platéia de 300 lugares, completamente lotada. Bem diferente do que se viu na sabatina do delegado Protógenes, feita por ouvintes ao telefone ou através de e-mails, além da dupla de apresentadores no estúdio modesto e precariamente iluminado da TV-UOL.
Que contraste, quando comparado com sabatina desta terça-feira! A cena mais emblemática do espetáculo de duas horas de duração foi, sem dúvida, a tumultuada saída do palco do presidente da Suprema Corte do País, transmitida igualmente pelas câmeras da TV-UOL. Vaias e aplausos explodiam do auditório dividido.
Mal (ou bem) comparando, parecia o choque das torcidas de Corinthians e São Paulo, Flamengo e Fluminense, ou Bahia e Vitória, em dias de clássicos no Morumbi, no Maracanã ou Estádio de Pituaçu, o novo xodó dos baianos.
Em cima do palco, o ministro assinava autógrafos pedidos por fãs localizados na platéia, de onde partiam palmas de aprovação, gritos de protestos e insultos pesados contra o presidente do Supremo. O professor de geografia Mauricio Costa, por exemplo, que se identificava como "cidadão brasileiro revoltado", gritava contra o silêncio do ministro nas questões relacionadas com o delegado Protógenes e o juiz De Sanctis. E, aos gritos, cobrava: "Porque o ministro concedeu os Habeas Corpus que deixaram em liberdade o banqueiro Daniel Dantas, e porque anda falando que o Movimento dos Sem-Terra no Brasil (MST ) recebe dinheiro público "para cometer ilegalidades?".
O ministro Mendes não renegou a notoriedade de amante da política e da polêmica. Respondeu que o segundo pedido de prisão do banqueiro foi uma tentativa de desmoralizar a corte que ele preside. As intensas reações da platéia, a favor e contra, geraram eletricidade em alta tensão. Mendes não conseguia esconder o nervosismo em alguns momentos - bebeu quase um litro e meio de água nas duas horas de sabatina -, mas jogou como craque da retórica jurídica e política, com a língua afiada e solta.
Quando a jornalista Mônica Bergamo tentou contra-argumentar em favor da prisão de Daniel Dantas, o presidente do STF com um sorriso enigmático, respondeu com uma insinuação, marca mais recente do ministro do Supremo no diálogo com jornalista. No ar e na boca um travo de ameaça mal-disfarçada na resposta: "Eu entendo a sua torcida, Mônica", disse o presidente do STF. Risos simpáticos de aprovação e aplausos da torcida a favor. Vaias sonoras da torcida adversária.
No final, a saída estratégica do ministro pela porta de trás, para evitar a manifestação de protesto de estudantes na rua em frente ao teatro da Folha.
Ótima preliminar para o 1º de abril.
Vitor Hugo Soares é jornalista.
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