quinta-feira, 15 de maio de 2008

Marina Silva


Foto: Elza Fiuza / Agência Brasil)

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A auto-demissão de um dos maiores ícones da luta ambiental simboliza o fim de uma longa agonia que simbolizou a gestão de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente. Nesses quatro anos, Marina foi derrotada com a liberação dos transgênicos e a retomada do programa nuclear brasileiro; foi obrigada a engolir a transposição das águas do São Francisco; foi pressionada a liberar obras polêmicas, como as hidrelétricas do rio Madeira; e cometeu erros, como o fracionamento do Ibama, com a criação do Instituto Chico Mendes.

Mas Marina não caiu pelos seus erros. Marina caiu pelos seus acertos.
Pela coragem que teve, ainda que fosse demérito para seu governo, de divulgar os índices crescentes de desmatamento na Amazônia e responsabilizar o agronegócio do gado e da soja por esse recrudescimento. Marina caiu porque era insustentável sua permanência em um governo de Maggis, Rodrigues e Romeros que, por fora e por dentro, boicotam as medidas de combate ao desmatamento.

Marina caiu porque em um governo que privilegia o crescimento a qualquer custo, onde a geração de divisas do agronegócio exportador tem mais valor do que a preservação de nossas florestas, sua presença já se configurava como um corpo estranho.

Em última análise, Marina saiu porque, de transversal e integrada, como ela lutava para que fosse a política ambiental do governo, mais uma vez o meio ambiente foi enxergado como um entrave ao desenvolvimento. Ainda que tarde, mostra a seringueira do Acre que se alfabetizou aos 14 anos que sua trajetória não podia mais continuar a ser enxovalhada por um governo rendido aos interesses do grande capital.


Originalmente publicado no jornal O Povo.

João Alfredo Telles Melo é advogado, professor de Direito Ambiental e consultor de políticas públicas do Greenpeace.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

O gesto afável do oleiro contra o poder abusivo do Capital

“Como barro nas mãos do oleiro” (Jr 18, 6)

O GESTO AFÁVEL DO OLEIRO CONTRA
O PODER ABUSIVO DO CAPITAL
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CARTA ABERTA AOS AGENTES DE PASTORAL E LIDERANÇAS POPULARES


“Como barro nas mãos do oleiro” (Jr 18, 6) a Comissão Pastoral da Terra do Paraná se reuniu em sua 18ª Assembléia Regional, sob a bênção do Espírito, para afagar a argila, moldar e remoldar os vasos que conduzem o nosso maior tesouro:
a fidelidade à terra e ao Deus da terra, e o serviço de trinta e três anos aos pobres da terra.

Ao contrário do que ocorre com o barro nas mãos do oleiro, a realidade atual testemunha a violência de um modelo de desenvolvimento regulado pelo lucro e administrado pelo capital transnacional que exclui, destrói e mata gentes, animais, plantas, águas e terras.
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Sua ação se espalha na perversão de nossos valores, renomeando e colonizando nossas expressões culturais e nossa identidade como povo, desagregando e cooptando movimentos sociais, espalhando marasmo, dispersão e desunião que, infelizmente, contagiam também as nossas lideranças e agentes. Trata-se, pois, da ameaça ao nosso maior tesouro.
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O Paraná continua terra de violência e de violação dos direitos do povo e da natureza.
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Os números dos conflitos no campo nos colocam entre os Estados mais violentos do Brasil: a expansão do agro e do hidronegócio, apoiado pelos governos e assegurado pela ação violenta das milícias paramilitares, continua matando, expulsando e perseguindo os pobres do campo.
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O governo estadual realiza um despejo a cada dez dias, o pior índice nacional e o mais perverso da história do Paraná, acobertado por um discurso de “boas aparências”.
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Pequenos agricultores continuam sendo expulsos do campo; negros e indígenas continuam sem acesso às suas terras; atingidos por barragens continuam ameaçados por projetos hidrelétricos; assalariados rurais permanecem explorados e violados em seus direitos... o poder abusivo do capital e suas marcas, elegem governos e exploram os pobres, criam leis e as modificam ao bel prazer, criam um Estado para si mesmos e o batizam de Estado de direito.
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Mesmo Lula, que poderia ser uma exceção, virou regra.

Como serviço à causa dos camponeses e camponesas, denunciamos a violência e anunciamos a esperança que vem das iniciativas de resistência na agroecologia, no resgate das sementes crioulas, na educação do campo, na organização das mulheres e da juventude, na luta pela terra e pela preservação das águas como patrimônio da humanidade.
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Repudiamos toda ação dos poderes instalados que violam a legislação a favor do lucro desmedido, aprovando leis e medidas provisórias que colocam em risco o bem comum, maculando a memória das lutas milenares de nosso povo – esse que é, sem dúvida, o nosso maior tesouro, guardado sim, em vasos de barro, fabricados também, pelas mãos da CPT.

Renovamos nosso compromisso de fidelidade, e acreditamos ser fundamental mantermos nossa liberdade profética frente ao Estado, às empresas e projetos públicos que esmorecem e matam valores éticos e sagrados.
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Reiteramos a importância do estudo e da formação, do diálogo e das ações conjuntas com as organizações populares, do trabalho de base e da articulação das forças do povo, promovendo o protagonismo e a emancipação dos trabalhadores e trabalhadoras.

Retomamos com novo vigor e convocamos todas as organizações e toda a sociedade a se empenhar na Campanha por uma emenda constitucional que limite o tamanho da propriedade da terra, acentuando a importância da Reforma Agrária, mais do que nunca urgente e necessária, ampla e integral; à luta contra as barragens e pela preservação dos rios; à defesa radical dos direitos dos assalariados rurais.

Renovados pela força que vem do Deus da terra, da terra de Deus e dos pobres da terra, esperamos continuar fiéis ao serviço pastoral, guiados por Javé que nos garantirá fartura até mesmo em terra deserta, conosco reerguerá ruínas antigas e levantará novas paredes em cima dos alicerces de tempos passados, para que nos chamem reparadores de brechas e restauradoras de ruínas (Is 58, 11-12).


COMISSÃO PASTORAL DA TERRA DO PARANÁ
Curitiba-Paraná-Brasil, 03 de maio de 2008.