terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Nuvens passageiras






Encontrei esta foto.





As lembranças deste tempo distante foram surgindo como pedaços de nuvens soltas no céu da minha insônia.





Eu e meus três filhos.
Eles dormiam na minha cama, onde estamos nesta foto, até o pai chegar tarde da noite do trabalho.
Na foto, o Ricardo que está no meu colo com cara de choro, deitava entre as minhas pernas com a cabeça apoiada na minha barriga e de um lado a Ana e de outro, o Fabrício. Eu lia histórias que criava durante a tarde no meu trabalho e datilografava na minha Olympia.Os personagens tinham vida e permaneceram no meu imaginário e no deles como se fossem seres reais. Às vezes fazíamos histórias coletivas cada um criando um pedaço. Mais tarde, os alfabetizados iam pra minha cama com seus livrinhos e líamos em silêncio, até que pouco a pouco eles fechavam os olhos como se fossem pequenas janelinhas que assim cerradas pareciam protegê-los da visão da realidade permitindo-os viver seus sonhos de criança.
Na foto, visto uma camisola verde de malha vagabunda que eu chamava de "Nuvens Passageiras", em homenagem à sua estampa horrorosa.
Bons momentos perenizados em uma fotografia. Nuvens que passaram.
Eu era jovem, tive meus filhos antes dos trinta anos e aprendi com eles a ser mãe.
A felicidade era esse deitar juntos, tomar banho juntos numa grande banheira. A glória era ir aos domingos no Passeio Público ver os macaquinhos e comer mini-pastéis (na época, eu bebia Campari), brincar nos disputados balanços. Íamos também andar de pedalinho no lago do Parque Barigui onde uma vez ficamos encalhados.
Tudo era tão bom e eu tinha tanta energia que só de pensar fico cansada: trabalho, pediatra, ortopedista para as pernas do Fabrício, oftalmologista para os olhos da Ana Paula com exercícios de ortótica quase diários, ballet da Ana, Alliance do Fabrício,dentistas, dentistas, pediatras, comprar e comprar roupas (como eles cresciam!), encapar cadernos, ir nas reuniões na escola...etc, etc e tal.
Quando o pai chegava, tarde da noite, era sempre o mesmo ritual. Ele tirava o livro aberto do meu peito e o óculos pendurado no nariz e depois colocava um a um em sua cama. Era um dos poucos contatos que tinha com os filhos.Nesta época, por causa do trabalho, ele era um pai ausente, mas eu tive a presença de minha sogra que morava conosco e me ajudou a criá-los.

Nesta foto, a não ser pela cara de sono e de choro do Ricardo (eu também pareço cansada) os outros dois me parecem tranquilos e felizes.
Nuvens passageiras.
Hoje todos eles têm seus filhos.



Meus três filhos são como ramos de minha árvore, ora cheio de flores ou de frutos, ora secos como galhos no inverno que parece que nunca mais vão florescer.
Fiz tudo para criá-los bem, mas sempre me senti em falta, sabe-se lá do quê. As mães sempre se sentem culpadas.

Hoje o Fabrício é um senhor engenheiro que trabalha com hidrelétricas em seus projetos de viablidade e diz frases surpreendentes. O pequeno chorão, também engenheiro, ficou prematuramente grisalho e é coordenador de um órgão importante relacionado ao governo. Possui um humor negro arrepiante...rs...A Ana trabalha no Tribunal de Justiça e embora já seja formada em psicologia está estudando Direito com muita seriedade, Ela é engraçada, espirituosa, uma imitadora nata. Alegra qualquer ambiente.
Todos tem sua família, seu emprego, seus amigos, seu lazer...
Não tem lugar pra mim na cama deles, ainda bem!! Assim é a vida.
Nuvens passageiras.
Nédier

Um Ano Novo...Pandora e a Esperança

A Esperança faz parte do espírito humano. É uma virtude, um mal ou quem sabe, uma mistura destes dois atributos.



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Pandora, foi a primeira mulher que existiu na mitologia grega. Ela foi criada por Hefesto e Atena, auxiliados por todos os deuses sob as ordens de Zeus. Cada um lhe deu uma qualidade. Recebeu de um, a graça, de outro, a beleza, de outros, a persuasão, a inteligência, a paciência, a meiguice, a habilidade na dança e nos trabalhos manuais.
Hermes, porém, pôs no seu coração a traição e a mentira. Como coloca em cada um dos mortais....
Pandora foi enviada a Epimeteu. Prometeu recomendou a ela que não recebesse nenhum presente dos deuses. Epimeteu vendo sua radiante beleza, esqueceu o que lhe fora dito pelo irmão e a tomou como esposa.




Epimeteu tinha em seu poder uma caixa dada pelos deuses que continha todos os males do mundo. Avisou a mulher que não a abrisse. - E adianta avisar uma mulher que não abra uma caixa, que não coma uma maçã, que não gaste além da conta??
Pandora não resistiu à curiosidade. Abriu-a e os males escaparam. Por mais depressa tentasse fechá-la, somente conservou um único bem: - A ESPERANÇA. (E a Esperança não tendo escapado da caixa, permanece na caixa dos nossos corações).




Aberta a caixa todos os homens foram afligidos pelos males contidos nela. Os politeístas vêem Pandora como aquela que deu ao homem a possibilidade de se aperfeiçoar através das provas e da adversidade. Porém a Esperança dá ao homem força para enfrentar estas mesmas provas e adversidades.




Na filosofia pagã, Pandora não é a fonte do mal; ela é a fonte da força, da dignidade e da beleza, pois, sem adversidade o ser humano não poderia melhorar.



...
Cada fim de um ano cristão, eu lembro de Pandora. Da caixa que ela abriu, deixando escapar todos os males que afligem a humanidade, mas não esqueço:
...a esperança ficou.
E é com a ESPERANÇA que conseguimos levar a vida em frente. E, no fim de mais um ano, nos sentimos como uma criança sorridente movida apenas pela a esperança de dias melhores.



...



Desejo que todos, nesta passagem de ano cultivem muita ESPERANÇA em um mundo melhor e mais justo. Quando pensamos em conjunto o pensamento ganha muita força. E esta força pode promover a paz, eliminar as guerras e promover a Justiça Social.



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Um abraço,



Nédier




-foto: eu com 5 meses.
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O Rio e o Oceano

Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano ele treme de medo.

Olha para trás, para toda a jornada,os cumes, as montanhas,o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre.

Mas não há outra maneira.

O rio não pode voltar.

Ninguém pode voltar.

Voltar é impossível na existência.

Você pode apenas ir em frente.

O rio precisa se arriscar e entrar no oceano.

E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece.

Porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas tornar-se oceano.

Por um lado é desaparecimento e por outro lado é renascimento.

Assim somos nós.

Só podemos ir em frente e arriscar.

Coragem !!

Avance firme e torne-se Oceano!!!

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Para minha querida Joana K. que me apresentou Osho.

domingo, 11 de dezembro de 2011

A grande viagem do espírito.

Reflexões



Vale a Pena Viver... e Aprender!
A vida não espera.


Por onde você for, o tempo não pára.


O que ficou, ficou...


O que se foi, passou...
É a vida em movimento.


Somos viajantes eternos em suas trilhas.
Parece que somos passageiros na eternidade, mas a verdade é que somos eternos dentro do temporário.


Ou seja, somos o eterno no movimento da vida que segue.

Na natureza, tudo passa!


O traço característico da existência é a impermanência.
As coisas mudam...


Pessoas e situações vão e vêm em nossas vidas, entram e saem na esfera de ação do nosso viver.


A vida é assim!
Há um tempo para tudo:


o amanhecer, o meio-dia e o anoitecer.


Da mesma forma, há um tempo para


semear e colher; nascer, viver, partir, renascer e seguir...


Tudo passa!


O que marca é a experiência adquirida

As culpas e as mágoas também passam!
No rio da vida, as águas do tempo curam tudo,
pois diluem no eterno as coisas passageiras.
As coisas estranhas que aconteceram,


os dramas e as palavras que feriram, também passam...


se você permitir.


Sim, se você se permitir notar que o tempo leva tudo,


e que a vida segue...
Aquele ressentimento antigo ou aquelas emoções apagadas


que, vez por outra, bloqueiam a sua alegria


fazem parte do que é temporário, mas você é eterno.
Essas emoções passam por você,


mas que tal superá-las?
Que tal passar por elas, sem se deter,
apenas ficando a experiência
e seguindo a vida?
Sim, tudo passa mesmo!


As estações se sucedem no tempo certo:


primavera, verão, outono e inverno.


Isso é natural!


Como é natural o espírito imperecível


entrar e sair dos corpos perecíveis.


Como é natural seguir em frente,


pois o tempo não pára e a vida segue...
E, do centro da Consciência Cósmica,


o Grande Arquiteto do Universo,


o Supremo Comandante de todas as vidas


e de todos os tempos nos abençoa sempre.
As experiências vão, mas o aprendizado fica.


A evolução é inevitável!
Todos estão destinados à Consciência Cósmica,


mesmo que não entendam isso agora.


Porém, se o desentendimento é passageiro,


a felicidade advinda do processo de evoluir continuamente


será imperecível.
Tudo a seu tempo!


Enquanto evoluem e aprendem a arte de viver,


sejam felizes...


E não se detenham até alcançar a meta!
O que vale é o Amor !
Que a luz do discernimento e dos sentimentos mais elevados possa iluminar nossos corações!


Que cada dia leve consigo a maravilha do momento, que sempre passa...
Existir é um privilégio.
E viver é maravilhoso!
Paz e LUZ!


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Recebi de minha amiga Márcia Maria Campos Bortoleto este texto formatado em pps. por ameliasoares-55@hotmail.com e resolvi postá-lo aqui no blog para meus amigos.


Beijo,


Nédier



* autor desconhecido



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Diploma




Uma vida de vitória quando concluímos no


ano de 1961, no Instituto de Educação e


curso de Escola Normal.


Parabéns pelos nossos 50 anos de Formatura.







Dom




Deus dá a todos uma estrela


Uns fazem da estrela um sol


Outros nem conseguem vê-la




Profa. Helena Kolody


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A todas as minhas joviais normalistas que tanta alegria e tanto vigor me transmitiram, carinhosamente, nestes dias em que nos reencontramos, todo o meu amor e agradecimento,

Nédier

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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Curso Normal do Instituto de Educação do Paraná 50 anos de Formatura





Há 50 anos



Eu, olhem que lindinha...rs...(eu me achava horrorosa como toda a adolescente) recebendo o diploma de professora primária das mãos do Diretor Professor Flávio Molleta Maurer .




Euzinha, 50 anos depois, na reunião das normalistas dia 18 de novembro de 2011, realizada em minha casa.

A tatuagem no braço é permanente. (para o desgosto dos meus filhos tenho umas 11 tatuagens) Esta, por sinal representa o Fênix, a ave que renasce das cinzas e que considero meu símbolo...
...


Dia 18 de novembro de 2011 houve uma divertida reunião em minha casa para preparação do evento comemorativo do cinquentenário de nossa formatura que será realizado dia 10 de dezembro, sábado (amanhã) em um restaurante da cidade.
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Uma parte do grupo das "joviais normalistas" cinqüentenárias, na festa em minha casa. Eu estou no canto esquerdo, fingindo que estou fumando
um cabo de faca branca...rs... Foi mesmo uma festa!!!
..
....

...,,...


Confesso que levei um grande susto quando soube que as minhas antigas companheiras da Escola Normal estavam organizando a comemoração dos 50 anos de nossa formatura de professoras primárias do Instituto de Educação do Paraná.



Elas estavam se encontrando em uma casa de lanches e eu não pude comparecer aos dois encontros anteriores por que estava sem condições físicas.



No terceiro convite, sugeri que a reunião fosse em minha casa, elas aceitaram, vieram e me fizeram muito bem com seu vigor, alegria e descontração.



Quando minha mãe, professora, fez 50 anos de formada eu tive que levá-la à festa de comemoração. Eram umas senhoras tão bem comportadas, antiguinhas, dependentes.



Já não se fazem "velhinhas" como antigamente!!



As minhas queridas amigas, muitas das quais eu não via há 50 anos vieram dirigindo, estacionaram seus carros em minha rua como, segundo minha filha, a rua fosse delas...rs...( eu também estaciono mal...rs...).

Mas neste dia, rua ERA delas!!



A Marília Passos que toca violão e conta piadas como ninguém não pode vir, porque estaria, tocando e cantando violão em um casamento.



Aos poucos fomos nos reconhecendo e relembrando histórias divertidas da época, juro que eu não lembrava das minhas "aprontações" contadas por elas...rs...



Nenhuma delas falou da vida pessoal. Soube que umas se divorciaram, outras ficaram viúvas e outras, como eu, permaneceram casadas.



Não falamos em noras, netos, acho que esta fase foi superada...rs...



Parecíamos as adolescentes de saia azul-marinho, blusa branca e gravata com um I.E. bordado. Meias brancas e sapatos pretos. Usávamos rabo de cavalo e éramos, pensando nos dias de hoje, muito inocentes.



Namorávamos, íamos assistir filmes no meio da semana, adorávamos a nossa professora, a poeta, Helena Kolody. Tínhamos ídolos na música e no cinema, como as jovens desta idade continuam tendo.A televisão estava apenas começando a sua carreira interminável.



Minhas normalistas continuam ótimas! penso que a maioria está aposentada.



Uma grande parte continuou estudando: Direito (eu e a Rocio), Medicina ( a Tami), Pedagogia e outras áreas relacionadas ao ensino.



Há muito não me sentia tão jovem e animada!!



Eu me senti participando de um milagre!!



Beijo,



Nédier
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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Para meu marido, meus filhos e toda esta querida famiglia de amigos.

Eu, em torno de 3 anos.


As aparências não enganam, nós nos enganamos e enganamos os outros, projetando uma imagem que pensamos ser a nossa e não é.


Porque sou extrovertida, falo rápido e sou sincera os meus Brusamolin se referem a mim como a "louca da Nédier". Acho engraçado.


Ontem eu e o Odenir rimos juntos. É raro.


Porque hoje tenho duas consultas e duas sessões de fisioterapia resolvi colocar em ordem meus laudos médicos, ressonâncias, RX, exames. Neste último ano e meio eu tenho 8 laudos que além de recentes são graves. Fiz uma pilha com eles, é enorme. Meu marido riu e disse que eu devia usá-la para dar umas laudadas com força na cabeça de quem diz que minhas doenças são emocionais e que eu deveria ser internada em um hospício. Vou pensar...rs...Não tenho nenhum laudo que deponha contra a minha saúde mental.


Tudo que tenho de extremamente dolorido é do meu lado esquerdo. Sou esquerdista.


Uma enorme prótese no fêmur e quadril, que quase me matou de dor, já não dói, mas limitou meus movimentos.


Meu ombro esquerdo assustou o ortopedista (tenho três ortopedistas, um do quadril, um do ombro e outro do tornozelo).


Além de ter uma lesão de impacto séria (quebrei a ponta do ombro) uma imensa infecção na região me obriga a tomar antibióticos, analgésicos e, além da fisioterapia pulmonar, fazer outra para o ombro.


A culpa foi de eu ter insistido em nadar muito todo o dia e não ligar para a dor, até que meu braço esquerdo não pode mais dar braçadas. O médico acha que vou poder nadar de novo depois de um looongo tratamento.


Uma virose atingiu meus brônquios e nos 3 últimos meses a fio me fez tossir de forma horrorosa e eu era obrigada a andar com forro nas minhas calcinhas.


Eu tinha dificuldade de engolir, me engasgava e mudei o timbre de voz, o que levou à suspeita de um câncer, como o do Lula.


Fiz uma laringoscopia e não tenho câncer na laringe (já tive um, no seio esquerdo). Tenho laringite, faringite e descobri que a minha laringe posterior não tem uma mucosa como deveria, mas uma pele grossa e enrugada...paquidérmica...rs...


Com a tosse tudo ficou muito irritado, a comida engatava na laringe, eu engasgava e tinha mais tosse e mais dor.


Meu ginecologista que é em quem mais confio riu porque não se conformou que nenhum dos médicos me deu um xarope para aliviar a minha tosse. Ele receitou um, e parei de tossir e de fazer xixi nas calças que era o que de mais humilhante eu sentia pois não tenho nenhum problemas nem na bexiga nem nos órgãos genitais.


Sinto muita falta da natação e da musculação que sempre me mantiveram de pé e com menos dores.


Possuo três vértebras grudadas na região lombar. Duas, no pescoço que me causam terríveis dores de cabeça.


Tenho dores ainda dores causadas por um acidente de carro, onde quebrei o pé, duas raízes de dentes, queimei meu colo e tive uma lesão no meu estômago, provocada pelo impacto do air bag, que foi confundida com gastrite, mas que a endoscopia revelou um estômago em carne viva. Dor de parto.


Rompi o ligamento interno e quebrei o menisco do meu joelho esquerdo em uma queda de bicicleta em Guaraqueçaba. Um ano e meio de dor e fisioterapia diária. Há alguns anos meu tornozelo...esquerdo...sofreu uma ruptura total nos ligamentos em uma queda de 3 metros na chácara. Gesso e seis meses de fisioterapia.


Na verdade eu convivo bem com a dor. Só desmonto quando se torna insuportável e o excesso de analgésicos piora tudo. Minha família não me dá créditos nestas fases:


- A Nédier é assim mesmo.


- A mãe é assim...


- O que será que sou? Mentirosa, exagerada, criativa??


A história de usar a pilha de laudos que confirmam doenças graves, inclusive angiomas, benignos, espero, para agredir os incrédulos não deixa de ser divertida.


Nunca tive insônia quando era solteira. Há duas noites inteiras que não durmo.


A musculação, a ginástica, a dança, a natação me mantiveram em forma e fizeram eu parecer mais nova que sou, valeram a pena e vão continuar valendo quando eu puder reiniciar.


Meu marido disse que se, nestes últimos 2 anos, eu pretendesse arranjar um amante, um namorado, um gigolô, ele teria que ser, no mínimo, um enfermeiro, destes que troca fraldas, dá banho, calça sapatos, ajuda a vestir e se mantém longe de um corpo que dói.


Nédier


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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Para a minha querida Tanha, um pouco do Fernando Pessoa/Álvaro de Campos











" Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também é vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelo no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato"
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos
.
Minha amada Tanha, que me escuta mesmo com dificuldade por causa da minha dicção "paquidérmica" e porque falo rápido demais, o que além de genético, se eu parar, esqueço o que estava falando. Sou repetitiva e você sempre me ouve e me diz calmamente palavras cheias de sabedoria. Não sei o que seria sem você.

Queria escrever palavras lindas pra te dar, busquei o Fernando Pessoa, mas discordo um pouco:



Eu apago a luz, fecho a porta e deixo de fazer barulhos de chinelo pelo corredor.
Fico sempre só em meu quarto, mas..
- Onde está o sossego de mim mesma?
- Onde está este universo barato?

.
"Insônia
Não durmo, nem espero dormir.



Nem na morte espero dormir.
Espera-me uma insônia da largura dos astros,



e um bocejo inútil do comprimento do mundo.
Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,



não posso escrever quando acordo de noite,



não posso pensar quando acordo de noite
—Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!
Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!
Não durmo, jazo, cadáver acordado,



sentindo,e o meu sentimento é um pensamento vazio.



Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam



- Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.
Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.

Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.
Estou escrevendo versos realmente simpáticos

—Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos…Tantos versos…
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!
Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.

Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstracção de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê…
Não durmo. Não durmo. Não durmo.

Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo excepto no poder dormir!
Ó madrugada, tardas tanto…

Vem…Vem, inutilmente,trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta…
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,segundo a velha literatura das sensações.
Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.

O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!
Que horas são?

Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada…
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.

Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exactamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exactamente.
Mas não durmo.
.
Álvaro de Campos, in “Poemas”Heterónimo de Fernando Pessoa
.



Por último, um pedacinho da



Partida:



"...Não tive talvez missão alguma na terra,



Desfraldando ao conjunto fictício dos céus estrelados



O esplendor do sentido nenhum da vida...



Toquem num arraial a marcha fúnebre minha!



Quero cessar sem consequências...



Quero ir para a morte como para uma festa ao crepúsculo"
.....



Espero que você tenha gostado, eu amo o Álvaro de Campos!



Beijo,



Nédia



...

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

"É apenas uma foto na parede, mas como dói" Carlos Drummond de Andrade

Vou escrever um texto sobre a sociedade onde vivi toda uma vida. Onde vivi os momentos mais felizes dela e onde hoje foi construído um supermercado.

Vou dar poucos detalhes de como os imigrantes vindos da região do Vêneto se reuniram neste bairro que hoje se chama Ahu e construíram com muita dificuldade uma sociedade. Deram a ela o nome do rei da Itália na época. Durante a guerra mundial o nome teve que ser alterado por ser estrangeiro.

Eu me criei nesta sociedade. Lembro os meus primeiros carnavais carregada nos braços de meu pai...não sei se posso continuar, estou muito sensível e chorona .
Como nasci em novembro, minha mãe acha que fui concebida por ali, num carnaval.

Esta linda foto da Sociedade Operária do Ahu (Vitor Emanuelle II) foi tirada em 19-9-1939. Existem muitas outras, mais antigas. Foi esta sede, praticamente igual depois de tanto tempo, que foi demolida
Preciso escrever sobre a minha societá, doa a quem doer.

Esta foto parece a foto de Itabira, terra natal de Drummond. Ele nunca mais voltou à Itabira, porque dela só restou a foto e sobre ela ele escreveu " é apenas um retrato na parede, mas como dói".
Dói.

Um povo que não cultua suas raízes, não respeita seus antepassados, é um povo ignorante e sem futuro.Um país sem passado, nem país é.
Destruir o que fizeram os colonizadores deste lugar que moramos é destruir os nossos antepassados de vez.
Eu lutei o que pude, estava conseguindo o tombamento, mas o dinheiro, a ambição financeira e politiqueira, passam sempre de roldão por cima de tudo, nos deixam órfãos de nós mesmos, nos deixam sem parâmetros.
Permitiram que uma pessoa vaidosa e que não tem raízes em parte nenhuma ajudasse a destruir o que era nosso de pleno direito. Vai ser, talvez o mais rico do cemitério, com um dinheiro que herdou do filho de um italiano da região de Vêneto, um açougueiro a quem muito amei. O sem terra, sem pátria, sem dinheiro, sem cultura, sem nada, casou com a filha do açougueiro italiano. Não construiu nada. Ganhou uma herança dos nossos italianos e destruiu o que não tinha direito de destruir. Desculpem minha raiva, mas um dia eu conto o quanto esta questão foi pessoal. Escutei muitas vezes quando estava só e dito em voz baixa (Meu Deus! Por quê?)
" - Nédier, vou derrubar isso que você tanto ama". É uma promessa!
Ele não fez isso sozinho, mas com a ajuda de gente do meu sangue.
Dói.
Não acreditei, lutei contra tudo, com membros da minha família, menti para minha tia Marica, irmã de meu pai, mulher que mais amei e amo, que não iriam destruir o nosso patrimônio. Era nosso, fora feito com muito trabalho e sacrifício pelo seu pai, tios, primos, parentes e italianos que vieram na mesma época.
Ela entendeu que eu não conseguiria falar a verdade e ela, a minha amada tia Marica, quase mãe, aceitava minha mentira.
A cada boato de que a sede do clube já fora vendida, ela corria aqui em casa e eu mentia de novo e ela fingia que acreditava.
Dói.

Nédier,
filha do Berto e sobrinha-filha da Marica, que aliás tinha o belo nome de Cecília.

"Sem dúvida, o povo brasileiro tem direito à memória. Logo, ela deve ser recuperada e conservada. Assim, poder-se-á reconstituir nosso verdadeiro passado. Nossa identidade está calcada, pois, em uma interpretação duvidosa do que aconteceu ao longo desses quase 500 anos."

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Os Mares





Dizem que na Palestina, existem dois mares bem distintos.
O primeiro deles é fresco e cheio de peixes. Possui margens adornadas com bonitas plantas e muitas árvores as rodeiam, debruçando seus galhos em suas águas, enquanto deitam as raízes nas águas saudáveis para se dessedentarem. Suas praias são acolhedoras e as crianças brincam felizes e tranquilas. Esse mar de borbulhantes águas é constituído pelo rio Jordão. Ao redor dele, tudo é felicidade. As aves constroem os seus ninhos, enchendo com seus cantos a paisagem de paz e de risos. Os homens edificam suas casas nas redondezas para usufruírem dessa classe de vida. Mas, o rio Jordão prossegue para além, em direção ao sul, em direção a outro mar.
Ali tudo parece tristeza. Não há canto de pássaros, nem risos de crianças. Não há traços de vida, nem murmúrio de folhas. Os viajantes escolhem outras rotas, desviando-se desse mar de águas não buscadas por homens, nem cavalgaduras, nem ave alguma. Se ambos os mares recebem as águas do mesmo rio, o generoso Jordão, por que haverá entre ambos tanta diferença?
Num, tudo canta a vida, noutro parece pairar a morte.
Não é o rio Jordão o culpado, nem causa é o solo sobre o qual estão, ou os campos que os rodeiam.
A diferença está em que o Mar da Galiléia recebe o rio, mas não detém as suas águas, permitindo que toda gota que entre, também saia, adiante. Nele, o dar e receber são iguais.
O outro é um mar avarento. Guarda com zelo todas as gotas que nele ingressam. A gota chega e ali fica. Nele não há nenhum impulso generoso.
O Mar da Galiléia dá de forma incessante e vive de maneira abundante.
O outro nada dá e é chamado de Mar Morto.
* * *
Tecendo um paralelo entre o coração humano e os dois mares descritos, podemos logo reconhecer se temos uma alma generosa igual ao Mar da Galiléia ou avarenta e ciosa qual o Mar Morto.
Os que estamos habituados a distribuir os dons e talentos que a Divindade nos concede, somos os seres agraciados com a alegria de viver, farto círculo de amigos, flores de carinho e folhagens de ternura.
Se nos habituamos a viver sós, sem nada repartir, dividir ou partilhar, estamos semeando solidão à nossa volta, tristeza e desamparo, porque a vida é qual imensa seara que retribui a sementeira, de acordo com os grãos cultivados.


Recebi este texto belíssimo, digno de reflexão, de minha filha Ana Paula.

Não sei o autor.

sábado, 5 de novembro de 2011

Tio Alceu










Eu penso que todos acham que estou exagerando quando falo dos meus Brusamolin, mas na verdade eu até disfarço...não pega bem descrever nossas insanidades familiares. .




Nem o Gabriel Garcia Marques criaria um personagem como o tio Alceu, um hipocondríaco dos bons. Ele passou a vida enchendo os armários da casa com remédios, quando a gente ia visitá-lo ele mostrava com orgulho os ditos armários abarrotados.
O Dr. Milano foi durante anos o médico de toda família. Ele era clínico geral e obstetra e o meu tio ia diariamente em seu consultório.





Minha nora Cláudia estava uma vez na sala de espera quando ele chegou: um italiano enorme, de olhos muito azuis com uma peruquinha acaju presa com grampos pela minha prima Cléia. Como sempre fazia chegou esbaforido e ficou encostado na porta esperando a enfermeira abrir para a primeira consulta:
- As senhoras me desculpem,mas meu caso é urgente, vou demorar só um pouquinho – disse ele para a mulherada na sala de espera antes de se enfiar consultório a dentro.
Quando ficou viúvo não voltou para sua casa mas para antiga casa da mama, onde morava parte da família.
Viúvo, meu tio que era um exímio violonista não quis mais tocar violão, uma vez lhe pedi que tocasse e ele me respondeu:
- Depois que aquela abençoada morrreu, eu nunca mais peguei no instrumento.
Um mês antes de sua morte, eu e ele promovemos, segundo a Ana, um típico espetáculo Brusamolin, no local da votação em dia da eleição.




Ela descreve bem.




Diz que quando chegou para votar viu sua mãezinha vestida de petista com crachá de delegado e tudo, na ponta dos pés pingando colírio nos olhos do tio Alceu. Não seria anormal se nós dois não estivéssemos bloqueando o corredor de acesso às urnas.

Estes dias encontrei o Jalmir, seu filho e meu querido primo. Ele tem um filho com o nome do avô. Perguntei como ia o menino.
- O Alceuzinho?? Vai bem...de três em três horas uma dose.


PS.: Este texto é dedicado aos meus queridos primos e amigos do Clube da Macaca



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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Fernando Morais: “Bloqueio é uma metralhadora apontada para Cuba”





Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Felipe Prestes


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O jornalista Fernando Morais captou Cuba em dois momentos absolutamente diferentes.


Em 1976, Morais escreveu a “A Ilha”, obra que o celebrizou e abriu as portas para sua carreira como autor de grandes reportagens em livro.


Naquele momento, o repórter encontrou o socialismo funcionando a pleno vapor, com pouquíssimos descontentes.
O livro que acaba de lançar, “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, se passa na década de 1990 e mostra uma Cuba em fortíssima crise econômica decorrente do fim da União Soviética.


Um país que se tornou um prato cheio para as dezenas de organizações anticastristas chefiadas por cubanos radicados na Flórida, que incentivavam e auxiliavam os conterrâneos que desejavam deixar a ilha.


Com aviões a seu dispor, estas organizações se tornavam cada vez mais ameaçadoras para Cuba, desrespeitando totalmente o espaço aéreo do país, com voos despudorados sobre Havana.



Neste contexto, o governo cubano inicia a Operação Vespa, que consistiu no envio de 14 espiões que se infiltraram nestas organizações anticastristas. Morais começou a pensar o livro no mesmo dia em que dez destes espiões foram descobertos pelo FBI e presos, em 1998,




O escritor solicitou documentos secretos ao governo cubano em seguida, mas só os obteve em 2005. A pesquisa, que incluiu 40 entrevistas, teve início em 2008.
Fernando Morais ainda revela profunda admiração pela Cuba revolucionária, que já não funciona tão bem quanto a que mostrou em “A Ilha”.




“Relembro sempre do outdoor, que acho muito forte, que foi colocado na entrada de Havana quando o Papa João Paulo II esteve lá em 1998: ‘Nesta noite 200 milhões de crianças vão dormir na rua em todo o mundo. Nenhuma delas é cubana’”, diz.



Na última quinta-feira (29), Morais veio a Porto Alegre para um debate sobre “Os Últimos Soldados da Guerra Fria” e conversou por cerca de 50 minutos com o Sul21 no restaurante do hotel em que estava hospedado.


O jornalista defendeu as “correções de rumo” que estão sendo feitas na economia cubana e explicou que o bloqueio econômico que os Estados Unidos impõem a Cuba é muito mais prejudicial dos que as pessoas costumam pensar.




”É uma metralhadora apontada para a cabeça da economia cubana”, afirma. Morais também falou sobre jornalismo, regulação da mídia e revelou quais podem ser seus próximos livros.
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Sul21 – Quando tu escreveste “A Ilha”, na década de 1970, Cuba era quase a realização de uma utopia, as coisas davam muito certo. Em “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, que se passa na década de 1990, Cuba já está em uma situação econômica muito ruim. Como tu avalias a diferença entre o país nestes dois momentos?


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Fernando Morais – Havia uma dependência muito grande com a URSS. Cuba era quase um país da chamada Cortina de Ferro. Mantinha um nível de independência política muito grande, mas do ponto de vista econômico era um grau de dependência enorme. Quando acaba a URSS, a economia cubana sofre um baque que torna a sobrevivência da Revolução uma coisa milagrosa. Só se explica mesmo pela garra do povo cubano. O PIB desabou em 75%. Quando o PIB de um país cai 4 ou 5%, um presidente arranca os cabelos. Eles tiveram que fazer mágica para sobreviver. O inacreditável de tudo isto é que, apesar desta tragédia econômica, passados 20 anos do fim da URSS, dados recentes mostram que Cuba é o único país do Caribe e da América Latina que não tem mais desnutrição infantil. Zero. A taxa de mortalidade infantil é de 4,5 por mil. A dos Estados Unidos é de oito por mil. A do Brasil é de 22 por mil. Em São Paulo é de 11 por mil. No debate sobre o livro em Curitiba me perguntaram como eu continuo solidário à Revolução Cubana. Eu cito estes números e relembro sempre do outdoor, que acho muito forte, que foi colocado na entrada de Havana quando o Papa João Paulo II esteve lá em 1998: “Nesta noite 200 milhões de crianças vão dormir na rua em todo o mundo. Nenhuma delas é cubana”. É isso.


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Sul21 – Imagino que tenham questionado no debate o fato de o poder estar concentrado com Fidel Castro e agora com seu irmão, o que muitos consideram uma ditadura.


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Fernando Morais – É um país em guerra com a maior potência bélica do planeta. Não sei que cidade está a 160 quilômetros de Porto Alegre, para que as pessoas tenham a noção da distância entre Cuba e os Estados Unidos. E não é uma ameaça retórica. É real. Acho que não tem mais ninguém ingênuo depois que os americanos deram a volta no planeta para invadir o Iraque e o Afeganistão e do que fizeram agora na Líbia. Independentemente se Kadafi era um ditador ou não, eles atravessam o planeta e vão matar gente em um lugar que eles não sabem nem a língua. Se você der um mapa-múndi para os americanos, 99% não sabem onde ficam estes países. Os cubanos não são ingênuos de supor que estão a salvo de uma agressão militar, até porque já houve na Baía dos Porcos. Quando o Brasil entrou na Segunda Guerra, Getúlio baixou no dia seguinte leis que proibiam japoneses, alemães e italianos de falar seus idiomas na rua, de ler livros em suas línguas. Está havendo muita mudança econômica em Cuba. Raúl está corrigindo muita cagada que eles fizeram no começo. Agora, não acredito que haverá alguma mudança política enquanto não acabar o bloqueio econômico.


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Sul21 – Como tu estás vendo estas mudanças econômicas?


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Fernando Morais – São correções de rumo. Me lembro que nas primeiras vezes em que fui a Cuba, quem cortava seu cabelo era um barbeiro estatal. Você tinha uma unha encravada, tinha que arrumar um podólogo estatal. Não tinha nada que não fosse estatal. Um caso célebre é de uma empresa que era muito famosa que se chamava El Rey de la Papa Frita, que tinha centenas de quiosques em todo o país. Foi estatizada. Eles criaram um mecanismo em um ministério para cuidar da El Rey de la Papa Frita. Não podia dar certo. Foi uma revolução de um radicalismo só visto na Revolução Russa de 1917. Hoje está nos jornais que as pessoas podem comprar e revender carros. As pessoas já podem abrir pequenos negócios. Agora, saúde e educação continuam sendo de responsabilidade do Estado, nisto não se mexe. Cuba não vai voltar a ser puteiro dos Estados Unidos nunca.


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Sul21 – O título do livro fala em últimos soldados da Guerra Fria. Mas pela nossa conversa, percebe-se que na verdade esta guerra ainda não acabou.


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Fernando Morais – Eu acho que ali foi o último episódio da Guerra Fria. Na verdade, é um anacronismo. A Guerra Fria acaba no dia em que acaba a URSS. Os Estados Unidos perderam o inimigo que alimentava isto. No entanto, ali no Caribe havia um microcosmo onde a Guerra Fria se mantinha.


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Sul21 – Agora não se mantém?


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Fernando Morais – Isso está, aos poucos, desaparecendo. Primeiro pela descoberta da rede de cubanos. Das denúncias feitas por Fidel a Bill Clinton, via Gabriel Garcia Marquez. E também por um problema generacional. Os jovens que vivem em Miami não estão mais interessados em jogar bombas em Cuba.


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Sul21 – Já não devem ter interesse em voltar para lá também e reinstalar o capitalismo.


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Fernando Morais – Não, até porque eles não tiveram prejuízo nenhum. Eles nasceram depois das expropriações. Quinze dias atrás o Pablo Milanés foi fazer um show em Miami, em um grande estádio da American Airlines (a American Airlines Arena). Havia 15 mil pessoas aplaudindo ele dentro do estádio e do lado de fora uns quinze velhinhos com cartazes na mão o chamando de comunista sem-vergonha. Então, isso está diminuindo muito. É muito raro você encontrar um jovem entre as lideranças das dezenas de organizações anticastristas que existem na Flórida.


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Sul21 – O bloqueio econômico é realmente o grande causador dos problemas econômicos de Cuba?


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Fernando Morais – A maioria das pessoas não sabe o que é realmente o bloqueio. Acha que é só a impossibilidade dos dois países comerciarem e de cidadãos de um país visitarem o outro. É claro que apenas isto já afeta profundamente a economia cubana, porque na hora em que você permitir que o turista norte-americano visite Cuba, o turismo cubano vai multiplicar seu faturamento. Mas o problema maior são as imposições feitas a outros países. Há cerca de três anos, Cuba comprou da Toshiba uns 50 tomógrafos e o Japão não podia entregar, porque se um navio japonês atracar em Cuba fica proibido de atracar em portos norte-americanos durante não sei quantos meses. Há um trecho no livro em que o cônsul norte-americano no Rio de Janeiro procura o vice-presidente da Souza Cruz para ameaçá-lo porque a empresa tinha acabado de montar uma fábrica em Havana, em um terreno que fora expropriado da indústria americana. Deram com o nariz na porta. O bloqueio é uma coisa que até a OEA, que é controlada pelos EUA, já protestou. É uma metralhadora apontada para a cabeça da economia cubana.


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Sul21 – O livro mostra que até mesmo Jimmy Carter acabou apelando para o eleitorado de Miami anticastrista quando sua popularidade estava em baixa. A gente vê agora que Obama vai vetar a criação do Estado Palestino. Tu estudaste muito o lobby das organizações anticastristas. Como funcionam estes lobbies?


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Fernando Morais – Dinheiro. No caso do lobby cubano, além do dinheiro tem a importância que a Flórida desempenha nas eleições dos Estados Unidos. Foi lá que o Bush (filho) ganhou a primeira eleição, que dizem que foi roubada do Al Gore. No caso do lobby pró-Israel, é financiamento de campanha. Financiamento legal, tudo declaradinho. Os caras não são loucos de enfrentar isto. Perdem a eleição. No caso do lobby cubano, nenhum candidato desde Kennedy, seja democrata ou republicano, deixou de cumprir o ritual de ir beijar o anel dos barões da comunidade cubana em Miami. Se o Obama vier a fazer alguma coisa – seja no sentido de acabar com o bloqueio, seja no sentido de libertar os cinco (agentes cubanos que continuam presos nos EUA) – só vai fazer se for reeleito no ano que vem, o que está cada vez mais difícil. Se ele se reelege, não deverá satisfação nenhuma à comunidade cubana da Flórida, porque ninguém pode ser presidente dos EUA por mais de duas vezes, nem alternadamente.


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Sul21 – Tu ouviste a notícia da prisão dos espiões cubanos no rádio e no mesmo momento pensou que dava um livro. Como foi isto?


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Fernando Morais – No dia em que eles foram presos, em setembro de 1998, eu estava dentro de um táxi com minha mulher, num final de tarde, no trânsito infernal de São Paulo. No meio de um monte de notícias internacionais, de vulcão não sei onde, ele disse: “Dez agentes secretos cubanos foram presos hoje pelo FBI na Flórida. Estavam infiltrados todos eles em organizações de extrema-direita”. Em geral é o contrário, quem espia o mundo todo são os Estados Unidos, é o FBI, a CIA. Cuba lá dentro, nas “entranhas do monstro”, como dizem os cubanos. Eu comentei com a minha mulher: “Aqui tem um livro”. Levei quase dez anos para conseguir que os cubanos me entregassem o material secreto.


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Sul21 – Então, desde aquele momento tu já começaste a fazer o livro?
Fernando Morais – Já. Na primeira vez em que fui a Cuba depois daquilo já bati na porta deles. No começo, Cuba nem reconhecia que eram agentes do governo, mesmo que já tivessem sido condenados à prisão perpétua nos EUA. Em 2005 eles me liberaram os documentos, mas eu estava fazendo a biografia do Paulo Coelho. Já tinha recebido adiantamento da editora, precisava entregar o livro. Quando acabei a biografia, em 2008, saí a campo. Fiquei dois anos pesquisando e um ano escrevendo.


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Sul21 – Mas além dos documentos tu também fizeste entrevistas com os familiares dos espiões.


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Fernando Morais – Tem 40 entrevistas. Conversas com familiares, com profissionais da área de inteligência, nos Estados Unidos conversas com líderes dos grupos cubanos de direita. Tem muita coisa em off com agentes do FBI aposentados, que me deram dicas. Fui a Nova Iorque entrevistar o Larry Rother, aquele repórter que disse que o Lula bebia, que queriam expulsar do Brasil. Ele foi chefe da sucursal do New York Times em Miami e os caras (grupos anticastristas) ameaçaram ele, cortaram os freios do carro dele, metralharam a porta da casa dele. Falei com os presos por internet e, quando falava por telefone, aproveitava as cotas de minutos que as famílias têm para falar com eles mensalmente. Como não sou nem parente, nem cidadão americano, não podia visitá-los na cadeia.
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Sul21: Foi bem reportagem investigativa.

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Fernando Morais – Típica reportagem investigativa. Tem que se virar para que as pessoas contem coisas que não estão querendo contar. Fiz tudo sozinho. Em geral uso jovens jornalistas, historiadores ou pessoas da área de Letras para fazer algumas pesquisa e entrevistas por mim. Nesta, eu achei tão saboroso que fiz tudo sozinho. Tive pessoas me ajudando apenas para marcar entrevistas, degravar as fitas. Tinha uma moça em Havana, uma jornalista, a Leslie. Em Miami tinha uma jornalista colombiana e no Brasil, uma jovem jornalista. Ela organizava as informações para mim.


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Sul21 – É uma história que desperta o interesse em todo o mundo. Já tem edições em outros idiomas?


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Fernando Morais – Tem duas editoras norte-americanas interessadas em lançar o livro. Em espanhol, já tem editora em Cuba, Venezuela e México. Em Portugal também. E já está vendido para cinema desde o começo, para um jovem investidor paulista Foi o que me ajudou porque foi uma pesquisa cara. No meio da pesquisa, o dinheiro havia acabado. Ele comprou os direitos. Está em campo para ver se amarra a produção com algum grande estúdio norte-americano.


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Sul21 – Muitos jornalistas antigos falam que este tipo de reportagem morreu, principalmente nos veículos. Tu concordas com isto?


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Fernando Morais – Os donos dos veículos dizem que o leitor não quer mais saber de reportagens extensas, quer saber de hard news, de internet. Se isto fosse verdade meus livros não venderiam o que vendem. São todos livros de grande reportagem, e todos os dez entraram em listas de mais vendidos. Acho que as pessoas querem as duas coisas. Uma coisa é você entrar na internet agora e saber o que está acontecendo na Bolívia. Outra coisa é você ler uma boa história. Público tem. Precisa dinheiro para você pôr um repórter por dois, três meses em cima de um assunto. Eu sou um leitor ávido de papel. Uma das minhas alegrias era ler de manhã três, quatro jornais. Já não tenho tanta sedução assim. Os jornais hoje me lembram um verso profético do Gilberto Gil:
“O jornal de manhã chega cedo, mas não traz o que quero saber/As notícias que leio, conheço, já sabia antes mesmo de ler”.

Salvo uma ou outra coisa, você já leu antes na internet. Não acho que a internet vai acabar com o jornal. Mas acho que a única maneira do jornal em papel obter alguma vantagem sobre a internet é com opinião e com a grande reportagem, com matérias esteticamente trabalhadas. Dar tempo ao repórter burilar, escrever a reescrever. Se não, morrerão de fome.


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Sul21 – Como tu vês a discussão que voltou à tona agora sobre a regulação da mídia?


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Fernando Morais – Eu sou a favor, claro. Em primeiro lugar, televisão e rádio não são propriedade dos donos, é uma concessão com a sociedade está fazendo a eles, mas mesmo a mídia impressa precisa de regulação. Isso não significa ter censura, não. É ter normas. Um jornal não pode dar em manchete que você é batedor de carteira e no dia seguinte desmentir com uma notinha de três linhas. É inadmissível que seja assim. Eu sou absolutamente contra a censura. Vivi de 1968 a 1976 abaixo de censura. O censor sentava ao seu lado na redação. Não pode haver nenhuma instituição impune. Esta discussão, por exemplo, sobre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Tem que ter o CNJ. Você não pode permitir, por exemplo, que a censura que era fardada se torne a censura togada. Agora, quem é que regula o direito da imprensa dizer que você é ladrão? Tem regulação no mundo inteiro. Tem muito mais nos países que são modelo para os nossos donos de jornal. Nos EUA, quem é dono de televisão não pode ter jornal. E as televisões que têm alcance nacional precisam de um percentual altíssimo de produção local e de produção independente. Aqui no Brasil, as grandes redes nacionais produzem tudo no São Paulo e no Rio de Janeiro. Os estados produzem apenas uma fatia pequenininha do seu noticiário.
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Sul21 – Para a indústria cultural não é bom.


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Fernando Morais – Claro que não. Um país com uma diversidade cultural como a nossa não pode ter uma emissora de televisão como a Globo, com 60% de audiência, com a concentração de produção como ela tem. Seria bom para também para ela comprar produção local. Seria uma forma de estimular produtoras no Brasil inteiro. E não tem nada que ver com censura. Este papo que os donos de jornal estão usando é para inibir a ação de quem defende a regulação. Não tem censura nenhuma.


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Sul21 – Mas é difícil disseminar uma ideia contrária entre a população.


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Fernando Morais – Claro, eles detêm o controle dos meios. Não adianta você querer dizer que isto não é censura no seu site, que atinge uma fatia pequena. Tem a Globo, o Estadão, a Folha, a Veja. Dos grandes, você tira a Carta Capital. O resto todo está martelando a cabeça das pessoas, dizendo que regulação é sinônimo de censura. Quando falo, mesmo para pessoas de cabeça aberta, que sou a favor da regulação, falam assim: “Quem diria, você que foi vítima da censura, agora está defendendo”.


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Sul21 – Como estão andando as biografias do José Dirceu e do Lula?


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Fernando Morais – Do José Dirceu eu estava trabalhando, ainda não desisti. Cheguei a ir a Cuba com ele, no lugar em que ele foi treinado, as pessoas que conviveram com ele, o médico que fez a cirurgia no rosto dele. Aí veio a cassação e ele teve que cuidar da vida dele. Pensamos em fazer um livro mais em primeira pessoa chamado 30 Meses, que seria a história dos bastidores do Governo Lula a partir da ótica dele. Ontem (quarta-feira, 28) ele lançou em Brasília um livro (Tempos de Planície), que acho que é um livro de ensaios, não de revelações. Com o Lula estou conversando há uns dois meses. Nem eu, nem ele sabemos bem o que se quer fazer.
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Sul21 – Ele está plenamente disposto a fazer esta biografia?


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Fernando Morais – A iniciativa foi dele, do pessoal ligado a ele. Me procuraram e propuseram um almoço com ele. Tenho uma relação antiga com o Lula. Na noite em que o sindicato foi invadido pelo Exército em 1979, estava lá dentro com ele. Pode rolar, pode dar um negócio legal. Vamos ver. É um momento bom porque eu estou na entressafra.


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Sul21 – Não tem algum outro projeto em vista?


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Fernando Morais – Tenho. Aliás, um projeto aqui no RS. Estou começando a conversar com a família do João Goulart para fazer algo não sobre a vida dele, mas sobre a morte.


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Sul21 – É algo que está no ar.


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Fernando Morais – É, aquilo não está devidamente esclarecido. Almocei na semana passada com a dona Maria Thereza (viúva de Jango) e com a Denise (filha). Vamos ver. Não descarto nenhuma possibilidade.


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Sul21 – Como tu avalias o governo Lula?


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Fernando Morais – Um governo que levou para o mundo das pessoas que comem três vezes por dia 30 milhões de habitantes. São três Chiles, cinco Dinamarcas de gente que não comia e que passou a comer. A política externa foi impecável. Altiva, independente, sem submissão. Acho que os tataranetos da gente, daqui duzentos anos, vão olhar para o Brasil dos séculos XX e XXI e vão ver dois governantes: Getúlio Vargas e Luis Inácio Lula da Silva.


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Sul21 – E quanto ao governo Dilma?


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Fernando Morais – Muito bem. Acho que está um pouco embaçado neste começo por estes rolos, de ladrões pendurados na administração, mas acho que vai ser tão bom quanto o do Lula. É a mesma família. São galhos da mesma árvore.

domingo, 11 de setembro de 2011

Você lembra o que fazia e o que sentiu há 10 anos?




Eu lembro.

Não deu pra esquecer.

Será sempre uma data lembrada pelas pessoas que em 11 de setembro de 2001 eram jovens, adultos ou de idade avançada, mas tinham saúde mental.
Lembrada com diversos sentimentos, com sentidos diversos.
Eu só posso lembrar a forma egoísta que senti aquela tragédia.
Hoje até me envergonho de ter ficado exultante.
Sem pessoalizar meus sentimentos de mãe, irmã, amiga só pensei nos mortos como um número emblemático.

Na ocasião eu estava à par do número de mortos que os EUA tinham “patrocinado” em países da América Latina financiando, dirigindo, promovendo ditaduras que fossem coniventes com seus interesses financeiros, com o “capitalismo selvagem” que a gente pronunciava como se estivesse escarrando. Eu nem estava preocupada com o que acontecia na Arábia Saudita.

Depois de uma noite insone e como não tinha compromissos no trabalho pela manhã me deixei ficar gostosamente na cama, ora cochilando, ora me espreguiçando como um bicho que distende sua musculatura antes de usá-la.

*(“Los ataques terroristas del 11 de septiembre de 2011 realizados por Al Qaeda tenían la intención de dañar a Estados Unidos, y lo consiguieron, pero en formas que Osama Bin Laden probablemente nunca se imaginó. La respuesta del presidente George W. Bush a los ataques puso en riesgo los principios básicos de Estados Unidos, socavando su economía y debilitando su seguridad.”)

O telefone soou estridente na cabeceira de minha cama, dentro da minha cabeça.
- Que preguiça – pensei.
A voz de minha irmã mais nova soou como uma espécie de alerta.
- Ligue a televisão. Já! Começou a Terceira Guerra Mundial!
Disse e desligou.
Liguei a televisão e assisti ao vivo o exato momento que a segunda Torre foi atingida.
Talvez se eu fosse uma vidente, portadora de poderes paranormais eu teria visto a guerra atingindo o Iraque e o Afeganistão e teria sofrido. Tantos jovens americanos e árabes mortos! Tantos dólares desviados por um chefe de Estado de expressão insana e inteligência limítrofe que se considerava o chefe do mundo e que levou seu país e parte do mundo à bancarrota para obter lucros financeiros e políticos.

Na televisão as imagens horríveis, inexplicáveis, as expressões de incredulidade dos passantes, os gritos, os comentários feitos pelos jornalistas me fizeram sentar na cama e tentar entender.
Entendi que aquela torre que eu vira sendo atingida era a segunda e, portanto, o que acontecia era um ataque ao coração do capitalismo.
Os deuses que me perdoem, mas fiquei feliz. Liguei para um amigo só para dizer:
- Agora eles estão sentindo o que é ser impotente, o que é ser agredido no fundo do coração da terra que amam, onde vivem...

À noite fui à uma reunião onde havia uma espécie de consenso com o que eu sentia e me senti confortável.

Um companheiro jovem me disse:
- De novo, no meu aniversário!
Não tinha como lhe dar parabéns. Seus pais perseguidos pela "nossa" ditadura militar tinham fugido para o Chile e sua festinha de aniversário, em terra estranha, fora interrompida, bruscamente, por uma nova fuga. Num ataque promovido pelos EUA, naquele 11 de setembro, o presidente Allende foi assassinado no palácio presidencial interrompendo o curso da democracia que ele estava tentando gerenciar.
Tenho visto tantos programas na televisão sobre os 10 anos do 11 de setembro e eles apelam tanto para o emocional que chego a me comover com o sofrimento daquele povo que mal sabia que sua desgraça, que sua derrocada estava apenas começando.

Nédier




* El Precio del 11 de Septiembre
Por Joseph E. Stiglitz