segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

"É apenas uma foto na parede, mas como dói" Carlos Drummond de Andrade

Vou escrever um texto sobre a sociedade onde vivi toda uma vida. Onde vivi os momentos mais felizes dela e onde hoje foi construído um supermercado.

Vou dar poucos detalhes de como os imigrantes vindos da região do Vêneto se reuniram neste bairro que hoje se chama Ahu e construíram com muita dificuldade uma sociedade. Deram a ela o nome do rei da Itália na época. Durante a guerra mundial o nome teve que ser alterado por ser estrangeiro.

Eu me criei nesta sociedade. Lembro os meus primeiros carnavais carregada nos braços de meu pai...não sei se posso continuar, estou muito sensível e chorona .
Como nasci em novembro, minha mãe acha que fui concebida por ali, num carnaval.

Esta linda foto da Sociedade Operária do Ahu (Vitor Emanuelle II) foi tirada em 19-9-1939. Existem muitas outras, mais antigas. Foi esta sede, praticamente igual depois de tanto tempo, que foi demolida
Preciso escrever sobre a minha societá, doa a quem doer.

Esta foto parece a foto de Itabira, terra natal de Drummond. Ele nunca mais voltou à Itabira, porque dela só restou a foto e sobre ela ele escreveu " é apenas um retrato na parede, mas como dói".
Dói.

Um povo que não cultua suas raízes, não respeita seus antepassados, é um povo ignorante e sem futuro.Um país sem passado, nem país é.
Destruir o que fizeram os colonizadores deste lugar que moramos é destruir os nossos antepassados de vez.
Eu lutei o que pude, estava conseguindo o tombamento, mas o dinheiro, a ambição financeira e politiqueira, passam sempre de roldão por cima de tudo, nos deixam órfãos de nós mesmos, nos deixam sem parâmetros.
Permitiram que uma pessoa vaidosa e que não tem raízes em parte nenhuma ajudasse a destruir o que era nosso de pleno direito. Vai ser, talvez o mais rico do cemitério, com um dinheiro que herdou do filho de um italiano da região de Vêneto, um açougueiro a quem muito amei. O sem terra, sem pátria, sem dinheiro, sem cultura, sem nada, casou com a filha do açougueiro italiano. Não construiu nada. Ganhou uma herança dos nossos italianos e destruiu o que não tinha direito de destruir. Desculpem minha raiva, mas um dia eu conto o quanto esta questão foi pessoal. Escutei muitas vezes quando estava só e dito em voz baixa (Meu Deus! Por quê?)
" - Nédier, vou derrubar isso que você tanto ama". É uma promessa!
Ele não fez isso sozinho, mas com a ajuda de gente do meu sangue.
Dói.
Não acreditei, lutei contra tudo, com membros da minha família, menti para minha tia Marica, irmã de meu pai, mulher que mais amei e amo, que não iriam destruir o nosso patrimônio. Era nosso, fora feito com muito trabalho e sacrifício pelo seu pai, tios, primos, parentes e italianos que vieram na mesma época.
Ela entendeu que eu não conseguiria falar a verdade e ela, a minha amada tia Marica, quase mãe, aceitava minha mentira.
A cada boato de que a sede do clube já fora vendida, ela corria aqui em casa e eu mentia de novo e ela fingia que acreditava.
Dói.

Nédier,
filha do Berto e sobrinha-filha da Marica, que aliás tinha o belo nome de Cecília.

"Sem dúvida, o povo brasileiro tem direito à memória. Logo, ela deve ser recuperada e conservada. Assim, poder-se-á reconstituir nosso verdadeiro passado. Nossa identidade está calcada, pois, em uma interpretação duvidosa do que aconteceu ao longo desses quase 500 anos."