sábado, 29 de novembro de 2008

Rosane / Saramago


Meus amigos,
Vou começar a ler o livro de José Saramago - “A viagem do Elefante” - que recebi ontem, por sedex, de minha amiga e poeta preferida - Rosane Coelho.
É um livro de valor inestimável. Está AUTOGRAFADO pelo autor.
Nem acreditei quando vi.
José Saramago escreveu com sua mão, sua caneta o seu nome no meu livro.
Pensei até em comprar outro para ler e guardar este como uma relíquia!

Confesso que li apenas dois livros de Saramago:

- "O evangelho segundo Jesus Cristo", seu livro mais poêmico e o fantástico e
- "Ensaio sobre a cegueira", que foi transformado no filme que abriu o Festival de Cannes 2008.

A leitura destes dois livros bastaram para que eu passasse a considerar José Saramago um dos maiores escritores de todos os tempos.
Embora a língua portuguesa não dê muita projeção aos que escrevem em português, José Saramago é uma unanimidade entre todos os críticos do mundo inteiro como um escritor fantástico. Sem precedentes.

Quero repartir com vocês a emoção de ter recebido este presente, colocando aqui tudo o que o acompanhou.
Um abraço,
Nédier

- No final desta página coloquei um texto sobre Saramago e sua obra.
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"Nédier do meu coração
Eis o momento do autógrafo!
A foto ficou bem ruinzinha, pois foi tirada por Carol com o celular.
Saramago está bastante abatido, provavelmente resultado da doença respiratória (...) que o acometeu.A cerimônia foi na ABL. Na entrada, a recepcionista avisava que, após os discursos (ele falou sobre a língua portuguesa) haveria uma sessão de autógrafos, até que ele se sentisse cansado.
Não sei se Saramago atendeu a todos os cerca de 1.000 que estavam na fila.
Fato é que só autografou um livro por pessoa e sem dedicatória.
Desde o anúncio decidi que o livro autografado para mim seria seu.
Sabia que ficaria feliz. Da outra vez que ele esteve aqui, pedi que autografasse "O Evangelho segundo Jesus Cristo" - minha paixão, junto com Grande Sertão (...)”
Rosane, TVF


O livro:



Abaixo, coloquei um carinhoso bilhete que recebi com o livro e escaneei.
A Rosane consegue fazer literatura em um simples bilhete
Colei-o na primeira página do livro.

“Desta feita, inicia-se no Rio de Janeiro a longa viagem de um Salomão de papel. Salomão que, como o de mais carne do que osso, percorrerá um grande trajeto até alcançar-te em Curitiba desincumbindo-se então da tarefa de dizer o meu carinho. Rosane, TVF
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(antes que alguém pergunte, eu e a Rosane usamos TVF, após o nosso nome, quando escrevemos uma para outra, em homenagem e identificação com o filme “Tomates Verdes Fritos”, um belíssimo filme sobre a amizade).





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O autógrafo:

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JOSÉ SARAMAGO


José Saramago (1922-) foi o primeiro escritor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel da Literatura (1998 ).
A Academia Sueca justificou o prêmio "devido às parábolas apoiadas na imaginação, na compaixão e na ironia".
Nascido na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo, em Portugal.
Filho e neto de camponeses, mudou-se para Lisboa antes de completar dois anos.
As dificuldades financeiras impediram-no de terminar o curso secundário.
Foi serralheiro mecânico, desenhista, funcionário da saúde e da previdência social. Autodidata, chegou a editor, tradutor e jornalista.
Em 1947, publicou seu primeiro livro, "Terra do pecado".
Foi como autor de romances que José Saramago mais se notabilizou.
Em 1991, lançou seu livro mais polêmico: "O evangelho segundo Jesus Cristo". Em seguida "O Ensaio sobre a cegueira". Sendo estes, os mais conhecidos pelos leitores brasileiros.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

BRASIL X EQUADOR

Rafael Correa, Presidente do Equador

O ministro Celso Amorim é um dos mais brilhantes diplomatas da história do Itamaraty. Sério, inteligente, lúcido e íntegro. Um dos pontos altos (dentre os poucos) do governo Lula. Chamar o embaixador do Brasil junto ao governo do Equador diante da negativa do presidente daquele país, Rafael Corrêa, em aceitar como dívida equatoriana um empréstimo feito à empreiteira Norberto Odebretch é uma atitude que acredito reflita muito mais a posição de setores outros do governo que propriamente do Ministério das Relações Exteriores.
Os governos brasileiros estão acostumados a lidar com presidentes de países sul americanos que sejam compráveis. Ou seja, as empresas brasileiras ganham concorrências em acordos fraudulentos, fazem obras abaixo das especificações contratadas e o pagamento fica por conta desses governos não importa quanto, pela simples razão que um presidente padrão Álvaro Uribe, por exemplo, leva no mínimo 20% de cada obra contratada.
No governo corrupto de Fernando Henrique foram feitos vários contratos assim com presidentes da Bolívia (anteriores a Evo Morales) na questão do gás.

À época da ditadura militar um contrato nesses moldes foi celebrado com o general Alfredo Stroessner, do Paraguai, sobre o preço da energia de Itaipu (a parte comprada pelo Brasil).
Preços abaixo dos de mercado e comissão para ambos os lados. Propina mesmo. E bem mais além da América do Sul.
A diplomacia estabelecida pela ditadura em relação a países árabes, como o Iraque e a Líbia, implicavam nesse tipo de contrato e foi por lá, no Iraque, que se estrepou a Mendes Júnior. A própria Odebretch andou por lá.
Empreiteiras como essas não são empresas, são quadrilhas.

No caso do Equador a Noberto Odebretch (envolvida em várias falcatruas no Brasil, inclusive com o governo de José Serra no caso do metrô de São Paulo) ganhou a concorrência para a construção da usina hidrelétrica San Francisco.
O governo equatoriano contraiu um empréstimo de 243 milhões de dólares junto ao BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) para o empreendimento e nunca viu a cor do dinheiro. Foi passado diretamente à empresa.
A Odebretch, acostumada a lidar com presidentes/corruptos, venais, ganhou força com a ditadura, foi beneficiada por todos os presidentes desde Sarney, construiu uma usina aquém do contratado, sem respeito ao pré-estabelecido e por essa razão o contrato foi rompido e o pagamento, lógico, não vai ser feito ao BNDES pela simples razão que devedora é a empresa que não cumpriu os termos do contrato. Nessa vocação imperialista de governos brasileiros junto a países sul americanos, o governo do Equador, agora com um presidente responsável, sério e voltado para os interesses de seu país, resolveu questionar o contrato, e o que fez a Norberto Odebretch, junto a organismos internacionais encarregados de dirimir dúvidas e julgar fatos dessa natureza.
No caso o Equador está recorrendo à Câmara de Comércio Internacional, em Paris. Quer a anulação do contrato por violações legais e constitucionais. Jorge Glass, presidente do Fundo de Solidariedade ao Equador é claro em dizer que o contrato "tem vícios de ilegalidade".
Vale dizer propina embutida em cláusulas daquelas que costumam vir em letrinhas pequenas e que enganam desde o consumidor comum do dia a dia, até um governo.
A medida faz parte da auditoria da dívida externa do Equador, um levantamento feito exatamente para apurar esse tipo de delito comum e freqüente entre os governos brasileiros e governos corruptos com os quais o Brasil negocia. O Brasil emprestou um dinheiro a Norberto Odebretch e lançou o governo do Equador como o devedor. O governo do presidente Corrêa denuncia falhas na obra da hidrelétrica de Toachi-Pilató e afirma que a empreiteira (quadrilha) desviou recursos que deveriam ser aplicados ali para outros fins (devem estar no fundo de campanha de José Serra em 2010).
Por coincidência ou não, para o Equador foi o engenheiro da empresa responsável pelas obras do metrô de São Paulo e indiciado no inquérito do chamado buraco do metrô, que resultou em mortes.
A decisão do Equador tem duas frentes. A primeira delas suspender a vigência dos contratos, não reconhecer a dívida e estender esse não reconhecimento a dívidas outras negociadas com ingerência do FMI (Fundo Monetário Internacional), o que eleva o percentual e os custos das propinas, pois tem que pagar os caras do Fundo.
Corrêa não vai pagar a dívida enquanto não houver decisão de instâncias internacionais sobre o assunto, expulsou a empreiteira/quadrilha de seu país (não vai passar fome, têm várias obras em vários pontos do Brasil) e noutra ponta, determinou que sejam levantados os nomes dos funcionários equatorianos responsáveis pelas negociações dessa dívida e de outras junto ao Brasil, para que sejam punidos.
É claro que a Norberto Odebretch, uma das grandes acionistas do Estado brasileiro desde a privatização de tudo feita pelo venal Fernando Henrique Cardoso, vai chiar e chiar muito, está chiando. E não quer nem reconhecer que não fez a obra como especificado no contrato, muito menos assumir que desviou dinheiro para outros fins ou assumir as responsabilidades pela dívida.
A Mendes Júnior fez a mesma coisa no caso do Iraque. Foi para o brejo, mas os donos não. Vivem como marajás em Minas e no circuito, como dizem.
São "geradores de progresso", amigos de Aécio.
Há uma realidade diferente em vários países latino americanos, caso do Equador, da Bolívia, da Venezuela, do Paraguai, da Nicarágua e de Cuba. Seus presidentes não são compráveis como o da Colômbia ou a do Chile. E aí tem sempre um general desses cheios de medalhas por tantos paus de arara, tantos choques elétricos, tantos estupros, tantas mortes, disposto a uma nova guerra na defesa do Brasil, leia-se, das empresas privadas e evidente, do "pão nosso de cada dia".
E é lamentável que um fato como esse ocorra num governo supostamente integrado ao resto dos países latino-americanos, ou ainda, um governo supostamente forte para enfrentar os bandidos/empreiteiros e não de capitular e fazer o jogo dessas quadrilhas.
O pessoal da Norberto Odebretch, como o da OAS, da Queiroz Galvão, essa turma toda, tem lugar certo em qualquer cadeia de qualquer país onde as leis sejam respeitadas e o desrespeito seja crime.
O presidente do Equador não tomou a atitude que tomou como hostilidade ao Brasil, mas a criminosos brasileiros que ludibriaram seu país, assim causaram prejuízo a seu povo.
O governo brasileiro deveria, sendo Lula, tomar as decisões corretas e punir empresários brasileiros que mundo afora vão fazendo trapaças e mais trapaças, caso dessa empreiteira e outros. Se assim não o fizer fica difícil acreditar que exista um mínimo de resquício de qualquer coisa que valha no governo Lula. Se o nosso complexo militar/empresarial queima no golpe porque diminuem os ganhos, azar deles.
Já imagino o escarcéu que William Bonner vai fazer com um tipo de notícia assim. Deve convocar os brasileiros à guerra contra o Equador. A empresa faz parte do elenco que tem parte da GLOBO, falo da consciência (se isso existe por lá) da turma que mente a mentira nossa de cada dia na mídia comprável e a venda, sempre pronta a uma "gorjeta". E Lula deve aprender a lidar com presidentes sérios, do contrário se desmoraliza nos achegos e arreglos com gente do tipo Bachelet, o tal "primeiro o nosso, depois o resto".

Recebi este artigo, por e-mail, de seu autor LAERTE BRAGA.
Gostaria de tê-lo escrito.
Nédier


Ele também pode ser lido no endereço abaixo:

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A nova Geopolítica da Fome

Foto de Sebastião Salgado
A CRISE, A FOME E A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS.


Na década de 60 havia no mundo 80 milhões de pessoas que passavam fome todos os dias...

Estávamos no auge do capitalismo industrial e do avanço das empresas transnacionais que se expandiam por toda parte para dominar mercado, controlar matérias-primas e explorar a mão-de-obra barata nos países periféricos.

Nesse contexto, propuseram a “revolução verde”.

Prometeram acabar com a fome.

E até deram o prêmio Nobel da Paz a seu maior propagandista.

Seu verdadeiro objetivo era, no entanto, introduzir uma nova matriz produtiva na agricultura, baseada no uso intensivo de insumos industriais, como maquinas, fertilizantes químicos e agrotóxicos.

A produtividade por hectare se multiplicou. A produção total aumentou quatro vezes no mundo.
Mas a fome não acabou!

E os famintos passaram de 80 para 800 milhões de pessoas.

Agora, cerca de 70 países dependem das importações para alimentar seu povo.
Na verdade, esse modelo serviu apenas para concentrar o controle da produção e do comércio agrícola mundial em torno de não mais de 30 grandes empresas transnacionais, como a Bungue, Cargill, ADM, Dreyfuss, Monsanto, Syngenta, Bayer, Basf, Nestlé, etc.


Durante a década de 90, com o domínio do capital financeiro, essas empresas cresceram ainda mais, porque o capital financeiro sobrante injetou nelas muito dinheiro de fora da agricultura.
E assim, elas compraram outras empresas, dominaram mais os mercados, e se concentraram em numero ainda menor.

Mais recentemente, o mundo foi avisado de outras noticias ruins.
O petróleo como fonte de energia dominante no século XX, estava com os dias contados. Suas reservas finitas e não devem alcançar a 30 anos.
E os cientistas alertaram de que estava em curso um processo de aquecimento global, fruto da forma consumista e irresponsável do uso dos bens naturais, que colocava em risco a sobrevivência da humanidade.

Diante dessas denuncias, o grande capital internacional moveu-se.
Formou-se uma aliança diabólica entre as empresas petroleiras, automobilísticas e as transnacionais do agro, para irem aos países do hemisfério sul, com abundancia de terra, sol e água, para propor a produção dos agro-combustíveis. Que eles chamam enganadoramente de bio-combustíveis.
Assim, nos últimos cinco anos, milhões de hectares antes cultivados para alimentos ou controlados por camponeses, passaram para as mãos de grandes fazendeiros e empresas para implantar monocultivos de cana, soja, milho, palma africana, girassol. Tudo para produzir etanol ou óleo vegetal.

Repete-se a manipulação da revolução verde. As melhores terras e mais próximas dos portos deixaram de ter alimentos, para produzir energia para os automóveis da classe média dos Estados Unidos, China e Japão.
Como o preço do etanol tem como parâmetro os elevados preços do petróleo, a taxa media de lucro na agricultura subiu de patamar e puxou consigo o preço médio de todos os produtos alimentícios. Ou seja, a população em geral consumidora de alimentos, teve que ajudar a pagar a taxa média de lucro que os capitalistas e fazendeiros impuseram em função da produção do etanol.
E mesmo assim, não será resolvido o problema do petróleo nem do aquecimento global. Os cientistas nos advertem de que o problema do aquecimento e da poluição está diretamente relacionado com o grande número de veículos utilizados no transporte individual. E que para substituir apenas 20% de todo petróleo ora consumido, teríamos que utilizar todas as terras férteis do planeta.

Já estávamos vivendo uma situação anôma-la na produção e preços dos alimentos, quando eclodiu a crise do capital financeiro.
Muitos desses capitalistas, detentores de volumosas somas de capital financeiro, na forma de dinheiro, ou na forma de capital fictício (títulos do tesouro, debêntures, cartas de hipotecas...) com medo de perderem tudo, correram para aplicá-lo nas bolsas de mercadorias a futuro. E para os países periféricos comprar bens de natureza, terra, energia, água, etc.

As conseqüências em todo mundo, desse movimento do capital é que hoje os preços dos produtos agrícolas não estão mais relacionados com os custos de produção, nem com os volumes de oferta e demanda.
Agora, os preços dos alimentos oscilam rapidamente para cima ou para baixo, sob a força exclusiva da especulação praticada pelos capitalistas nas bolsas de mercadorias.
Ou pela força do controle oligopólico que as empresas transnacionais exercem sobre o mercado mundial de produtos agrícolas.
Ou seja, a humanidade está nas mãos de meia dúzia de empresas transnacionais e de grandes especuladores.
Resultado: segundo a FAO, os famintos passaram de 800 para 925 milhões em apenas dois anos!
E milhões de camponeses da Ásia, África e América Latina, estão perdendo suas terras, e migrando.
Diante disso a Via Campesina, que reúne dezenas de organizações camponesas de todo mundo, propõem uma mudança radical na ordem econômica da produção e comércio dos alimentos.
Defendemos a tese da soberania alimentar.
Ou seja, que em cada região, país, os governos apliquem políticas públicas que estimulem e garantam a produção de todos os alimentos necessários pela população que ali vive. Não há nenhuma região do mundo, impossibilitada de produzir seus próprios alimentos por condições climáticas. Como já explicou o saudoso Josué de Castro na década de 50, a fome e a falta de alimentos não é uma condição geográfica ou climática, mas sim resultante de relações sociais de produção.

Defendemos de que a humanidade precisa encarar os alimentos como um direito de todo ser humano.
- E deixar de tratá-los como mercadoria, para dar lucro às empresas transnacionais.
- E estimular em todos os paises o fortalecimento da produção camponesa, única forma de fixas as pessoas no interior, e produzir alimentos sadios sem agrotóxicos.

Podemos pregar governantes surdos. Mas sem as mudanças radicais, as contradições e os problemas sociais só aumentarão e, algum dia, explodirão.

João Pedro Stedile, membro da coordenação nacional do MST e da Via campesina Brasil.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Viajo - Rosane Coelho

VIAJO
.
clandestina
no meu ser
desde menina...

Rosane Coelho

O campo vazio da desesperança/escrevi hoje ao acordar

Eu, aos 5 anos

O estado de inconsciência entre o pesadelo e a vigília é um campo de batalha vazio onde ainda permaneço como expectadora e co-participante de uma luta que se trava dentro de mim.

Sou uma criança desamparada e muda e, ao mesmo tempo, uma mulher irritada que ainda tem que se preocupar com seu próprio desamparo infantil.

Sou uma mulher que tenta sair de um sonho ruim que lhe trouxe sensações insuportáveis e que não sabe onde está, tem apenas a vaga impressão de que está em sua cama.
- Qual cama?
Sente uma insegurança dos que não têm onde ficar, mas aos poucos percebe que está em casa.
- Qual casa?
Seria a casa dos pais onde acordava siderada de medo?
Medo de um nada ameaçador, feito do silêncio e da escuridão da madrugada.

Quando a criança que fui conseguia gritar: - Mãe! – eu me libertava.

O vulto materno surgido das sombras deitava-se ao meu lado e me acalmava com suas orações.
Minha mãe me libertava do medo pela sonora repetição das orações conhecidas.

O longo Credo, o Salve Maria, mãe de Misericórdia - me traziam o sono e a paz.

Minha mãe não era religiosa, era apenas uma mulher que queria fazer a filha dormir para também descansar. Sábia e intuitivamente, ela utilizava o reconhecido poder dos mantras.

No campo aberto das lutas inconscientes, sou a mãe sem nenhuma paciência com a criança que se recusa a crescer e me contamina com seu desamparo.
Esta criança não pede: - Cuide-me!
E nem grita de medo por se sentir tão incapaz, mas permanece ali, um estorvo de quem quero e não consigo me desvencilhar.

A sua insegurança é o próprio campo de guerra onde não se travam mais lutas. As lutas já terminaram há muito tempo.
A minha insegurança é um desespero de quem lutou e, mesmo quando venceu, não conseguiu a paz.

O ar fica escasso, a respiração difícil. Esta dificuldade de viver me faz acordar na cama sólida e real onde, no fim de mais um dia, eu fui à busca do sono e do descanso.

Esta noite consegui ouvir a minha voz de co-participante:
- Esta criança é muito chata, não quero mais saber dela.

Ao mesmo tempo em que eu conseguia verbalizar o desconforto, eu sentia pena daquela menininha que sempre me acompanha em silêncio, sem nada me pedir, me olhando lá do fundo da minha alma com seus grandes olhos tristes e escuros.
Como ela nada me pede, sei que tudo quer: colo, carinho, atenção. Tudo que eu não posso dar porque também preciso.

Ao meu lado sinto a presença de alguém que não sei bem quem é e compreendo que consegui me desvencilhar de mais um pesadelo.
Durante os primeiros anos de vida conjugal, eu tinha certeza que era minha mãe quem ali estava. Eu me recostava no homem que dormia ao meu lado, pedia sua benção e me sentia reconfortada pelo bicho-mãe como um filhote.
Minha mãe era como uma leoa que sem me fazer nenhum afago me protegia dos perigos da selva.
O homem ao meu lado dormia um sono pesado sem tomar conhecimento da criança que se agarrava em sua mãe.
Hoje ele sabe e continua sem se perturbar. É um leão e não sou sua cria e mesmo que fosse, não é dele a função de me proteger da escuridão silenciosa da madrugada.

Durante esta noite tentei me esconder em abrigos provisórios e decadentes, perdi objetos preciosos, fui ignorada por toda uma cidade, me embrenhei em uma mata na direção do mar. O pavor infantil da rejeição e das perdas me torna uma adulta vulnerável.
- Afinal quem sou?

Esta noite, meio perdida no campo da desesperança que se situa entre o sono e a vigília, consegui verbalizar a sensação de inconformismo, de irritação e de cansaço:
- Esta menininha é muito chata.
O homem que dormia ao meu lado não acordou completamente, mas permitiu que eu segurasse sua mão, então me ouvi dizendo para mim mesma estas palavras duras que ainda ecoam dentro de mim:
- Você não em obrigação de cuidar dela, por favor, coloque-a em uma creche...rs...

Finalizando esta espécie de catarse públics que faço - tenho que reconhecer que a curiosidade e a espontaneidade desta criança, de quem tanto reclamo, continuam intactas dentro de mim e que talvez sejam os melhores aspectos de minha personalidade.

Nédier

sábado, 1 de novembro de 2008

Opinião - Paul Valéry por Rosane Coelho

OPINIÃO

Sou mutante. Não anseio a majestades cristalizadas em palavras que não voltam atrás. Eu volto palavras, gestos e sentimentos. Mudam tempos, momentos, situações, mundo... Por que não mudo eu? Livrai-me do engessamento burro da prepotência! Peço desculpas e me sinto aliviada. Se o outro vai desculpar ou não depende do grau de irredutibilidade dele. Aí já não é comigo. Repensar é consertar. "Eu não sou sempre da minha opinião." Considero a sua e, se for o caso, reconsidero a minha.

Rosane Coelho

http://www.rosanecoelho.prosaeverso.net/blog.php?&pag=4