segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O campo vazio da desesperança/escrevi hoje ao acordar

Eu, aos 5 anos

O estado de inconsciência entre o pesadelo e a vigília é um campo de batalha vazio onde ainda permaneço como expectadora e co-participante de uma luta que se trava dentro de mim.

Sou uma criança desamparada e muda e, ao mesmo tempo, uma mulher irritada que ainda tem que se preocupar com seu próprio desamparo infantil.

Sou uma mulher que tenta sair de um sonho ruim que lhe trouxe sensações insuportáveis e que não sabe onde está, tem apenas a vaga impressão de que está em sua cama.
- Qual cama?
Sente uma insegurança dos que não têm onde ficar, mas aos poucos percebe que está em casa.
- Qual casa?
Seria a casa dos pais onde acordava siderada de medo?
Medo de um nada ameaçador, feito do silêncio e da escuridão da madrugada.

Quando a criança que fui conseguia gritar: - Mãe! – eu me libertava.

O vulto materno surgido das sombras deitava-se ao meu lado e me acalmava com suas orações.
Minha mãe me libertava do medo pela sonora repetição das orações conhecidas.

O longo Credo, o Salve Maria, mãe de Misericórdia - me traziam o sono e a paz.

Minha mãe não era religiosa, era apenas uma mulher que queria fazer a filha dormir para também descansar. Sábia e intuitivamente, ela utilizava o reconhecido poder dos mantras.

No campo aberto das lutas inconscientes, sou a mãe sem nenhuma paciência com a criança que se recusa a crescer e me contamina com seu desamparo.
Esta criança não pede: - Cuide-me!
E nem grita de medo por se sentir tão incapaz, mas permanece ali, um estorvo de quem quero e não consigo me desvencilhar.

A sua insegurança é o próprio campo de guerra onde não se travam mais lutas. As lutas já terminaram há muito tempo.
A minha insegurança é um desespero de quem lutou e, mesmo quando venceu, não conseguiu a paz.

O ar fica escasso, a respiração difícil. Esta dificuldade de viver me faz acordar na cama sólida e real onde, no fim de mais um dia, eu fui à busca do sono e do descanso.

Esta noite consegui ouvir a minha voz de co-participante:
- Esta criança é muito chata, não quero mais saber dela.

Ao mesmo tempo em que eu conseguia verbalizar o desconforto, eu sentia pena daquela menininha que sempre me acompanha em silêncio, sem nada me pedir, me olhando lá do fundo da minha alma com seus grandes olhos tristes e escuros.
Como ela nada me pede, sei que tudo quer: colo, carinho, atenção. Tudo que eu não posso dar porque também preciso.

Ao meu lado sinto a presença de alguém que não sei bem quem é e compreendo que consegui me desvencilhar de mais um pesadelo.
Durante os primeiros anos de vida conjugal, eu tinha certeza que era minha mãe quem ali estava. Eu me recostava no homem que dormia ao meu lado, pedia sua benção e me sentia reconfortada pelo bicho-mãe como um filhote.
Minha mãe era como uma leoa que sem me fazer nenhum afago me protegia dos perigos da selva.
O homem ao meu lado dormia um sono pesado sem tomar conhecimento da criança que se agarrava em sua mãe.
Hoje ele sabe e continua sem se perturbar. É um leão e não sou sua cria e mesmo que fosse, não é dele a função de me proteger da escuridão silenciosa da madrugada.

Durante esta noite tentei me esconder em abrigos provisórios e decadentes, perdi objetos preciosos, fui ignorada por toda uma cidade, me embrenhei em uma mata na direção do mar. O pavor infantil da rejeição e das perdas me torna uma adulta vulnerável.
- Afinal quem sou?

Esta noite, meio perdida no campo da desesperança que se situa entre o sono e a vigília, consegui verbalizar a sensação de inconformismo, de irritação e de cansaço:
- Esta menininha é muito chata.
O homem que dormia ao meu lado não acordou completamente, mas permitiu que eu segurasse sua mão, então me ouvi dizendo para mim mesma estas palavras duras que ainda ecoam dentro de mim:
- Você não em obrigação de cuidar dela, por favor, coloque-a em uma creche...rs...

Finalizando esta espécie de catarse públics que faço - tenho que reconhecer que a curiosidade e a espontaneidade desta criança, de quem tanto reclamo, continuam intactas dentro de mim e que talvez sejam os melhores aspectos de minha personalidade.

Nédier