sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

As janelas de minha mãe

Trecho de viagem de trem para Paranaguá pela Serra do Mar


"Uma pessoa que escreve sobre a vida como quem olha por uma janela não consegue vivê-la."
(Caio Fernando Abreu )

"Olhe a paisagem, tire a cara deste livro, veja a Serra do Mar toda florida.
A vida não está nos livros.
Você é até capaz de estar lendo a descrição desta paisagem e se recusa olhá-la."
(Delmarine Machado Brusamolin, minha mãe)
Resumo de palavras que ela me disse muitas vezes querendo me ensinar a viver.
Eu devia ter aprendido mais com minha mãe porque ainda prefiro o livro à paisagem.

Sou um ser urbano que desenvolveu certa implicância com alguns ecologistas que se referem à Ecologia como uma "entidade" como se nós não fizéssemos parte dela. A ecologia é um conceito de certa forma, intuitivo. Sabemos (?!) que nenhum organismo, pode existir sem interagir com outros ou mesmo com ambiente físico no qual ele se encontra.

Minha mãe, foi uma professora primária, que alfabetizava crianças e adultos.
Lecionou 37 anos quando poderia se aposentar com o salário integral aos 25 de magistério.
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O escritor, dramaturgo e jornalista nos instigava a pular, quebrar vidros, cortar-se nos cacos. Viver.
E só então escrever sobre a vida.
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Minha mãe não instigava, rompia os obstáculos. Quebrava os frágeis vidros, sangrava, torcia o pé, sofria, mancava, mas vivia.
Nunca escreveu sobre a vida.
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As janelas de minha mãe
"Olhar a paisagem é viver, lê-la, não é."
Ela ficava me repetindo frases como esta nas viagens de trem que fazíamos para Paranaguá/PR para visitar o tio Dione e a tia Zica.

A paisagem que ia se transmudando através da janela do trem era a pura diversidade da vida. Flores, quedas d’água, grotões, túneis assustadores.
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De repente uma borboleta azul pousava em uma ramagem verde. Nem uma foto, nem um quadro impressionista podem reproduzir a vida e nos fazer sentir bem acima deste mundo pequeno e mesquinho que muitas vezes abrigamos dentro de nós.

A metamorfose vai transformar uma larva asquerosa em uma etérea borboleta.
Este contraste pode nos fazer refletir que a vida é uma transformação constante - e cabe a nós - no que queremos nos transformar (a larva, descartada para que a borboleta voe, é transformada em seda)

Escrever olhando a vida pela janela e se recusar transpô-la é se auto impor um aprisionamento. É absurdo.
Lá fora nada é estático. Mas quem se recusa a transpor sua janela é porque não quer levar sustos.
Susto não é medo.
Susto é não suportar o inesperado.
Viver é um susto.
Por esta razão é mais fácil escrever sobre a vida do que vivê-la, mas escrever sobre a vida não é viver.
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Nédier

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