quarta-feira, 6 de julho de 2011

Nadya, minha irmã






Esta foto deve ter uns 50 anos. Foi tirada da Rua XV por um fotógrafo que era comum naquela época.Tirava a foto e nos dava um canhoto, se quiséssemos íamos autorizar a revelação e comprar.
Na foto estou eu e minha irmã Nadya, seis anos mais nova que eu.
Pela roupa acho que eu devia ter uns quatorze anos. Não achei nenhuma data escrita na foto.

Lembro que era um domingo e nós duas fomos de ônibus até a cidade comprar uma pizza - uma novidade gastronômica - para jantar.

Como minha irmã mais velha era também seis anos mais velha que eu, a Nadya foi minha criança. Cuidei, troquei, fiz mamadeiras.
Ela tinha convulsões. Eu ainda lembro o meu terror ao vê-la se debater inconsciente, iluminada por velas e com toda a vizinhança ao redor.. Não havia telefone, nem taxi, nem luz... Minha mãe embrulhava a Nadya em cobertores e corria quilômetros à pé até um hospital. Eu era deixada na casa de uma vizinha.

Depois ela teve poliomielite. Se fechar os olhos, vejo o médico enfiando agulhas em seu pezinho e ela não tendo nenhuma reação.

Eu me vejo tentando colocá-la em pé e ela dobrar sobre si mesma como um livro que fechamos. Tinha uns três anos.
Ficou isolada em uma ala do hospital. Eu conseguia burlar a vigilância e por uma entrada pelo porão do hospital ia vê-la todos os dias. Ela não ficou com nenhuma seqüela, fato acho que raríssimo nestes casos.


Ela era especial, amada por todos e fazendo só o que queria, mesmo que não fosse o melhor. Concordava com as sugestões e nós sabíamos de antemão que só as acatava se quisesse.
Era linda, tinha uma voz calma.
Uma elegância inata, mesmos nas piores crises financeiras.
Era cheirosa, iluminada, sua presença deixava todos felizes.
- Só por Deus!!!! – parece que a estou ouvindo. Era a frase que usava quando achava tudo exagerado.
Lutou contra um câncer durante quatro anos e nos passava a certeza que ia se curar.
Não reclamava, fazia planos. Fiquei com ela, já em coma hepática nos seus últimos três dias de vida, inconsciente...
Vi o seu médico com uma expressão de derrota, mandar a enfermeira deixar só a morfina, nada mais valia a pena.
Quando eu falei de oxigênio porque sua respiração estava difícil ele me respondeu com uma expressão de muita dor:
- Prá que prolongar. Ela lutou feito uma leoa, nunca vi mulher mais corajosa. Animava, estimulava, dava esperanças aos mais jovens que com ela faziam quimioterapia. Então ele me disse, com os olhos marejados que aquele seria seu último dia de vida.

Poderia escrever muitas páginas sobre a minha irmã, seus problemas afetivos, financeiros. Teve uma vida de altos e baixos sem nunca perder a esperança e o humor.
Deixou dois filhos homens: o Alberto que faz arquitetura, o belíssimo Gustavo que estuda odontologia e a Maria Fernanda, minha afilhada, que estuda enfermagem e tem o espírito forte e feliz como de sua mãe.
A Nadya teve uma sobrevida de uns dois anos por causa da Malu, filha da Maria Fernanda a quem amava com todas as forças de seu coração.
A Malu é mesmo especial, linda, tão esperta que parece mais um anão e não uma menininha de 9 anos. Forte como a Nadya. Quando sua mãe lhe deu a notícia da morte da avó, ela ficou séria, não fez nenhum movimento. Ficou parada. Não expressou sua dor em nenhum gesto. Apenas as lágrimas correndo dos seus olhos demonstraram que ela entendeu que não teria mais a avó ao seu lado, como sempre teve.

Ontem foi a missa de sétimo dia da Nadya, depois da missa fomos a uma pizzaria.
A alegria e a esperança da Nadya contagiaram a todos, como sempre. Rimos, conversamos como se fosse uma festa.
Os elos que nos unem a ela continuam firmes, ela apenas passou para o outro lado do caminho. Permanece viva dentro de nós.

Nédier