quarta-feira, 28 de março de 2012

Pão e Circo


O Arco de Tito




Tito Vespasiano

CARTA DO IMPERADOR VESPASIANO (41 dC) PARA SEU FILHO TITO (79 dC)



Onde o povo prefere pousar seu clunis: (cunis são nádegas em latim)


numa privada, num banco de escola ou num estádio?
Futebol também é cultura.



Hoje, para júbilo egáudio dos amantes das letras clássicas, divulgo uma carta do imperador Vespasiano a seu filho Tito.
Vamos a ela:







22 de junho de 79 d.C.


“Tito, meu filho, estou morrendo.


Logo eu serei pó e tu, imperador.


Espero que os deuses te ajudem nesta árdua tarefa,afastando as tempestades e os inimigos, acalmando os vulcões e os jornalistas.


De minha parte, só o que posso fazer é dar-te um conselho: não pare a construção do Colosseum. Em menos de um ano ele ficará pronto, dando-te muitas alegrias e infinita memória. Alguns senadores o criticarão, dizendo que deveríamos investir em esgotos e escolas. Não dê ouvidos a esses poucos. Pensa: onde o povo prefere pousar seu clunis:


- numa privada, num banco de escola ou num estádio?
Num estádio, é claro.


Será uma imensa propaganda para ti. Ele ficará no coração de Roma por


omnia saecula saeculorum, e sempre que o olharem dirão:


- Estás vendo este colosso? Foi Vespasiano quem o começou e Tito quem o inaugurou’.Outra vantagem do Colosseum: ao erguê-lo, teremos repassado dinheiro público aos nossos amigos construtores, que tanto nos ajudam nos momentos de precisão.


Moralistas e loucos dirão, que mais certo seria reformar as velhas arenas. Mas todos sabem que é melhor usar roupas novas que remendadas.


Vel caeco appareat (Até um cego vê isso).
Portanto, deves construir esse estádio em Roma.Enfim, meu filho, desejo-te sorte e deixo-te uma frase:


Ad captandum vulgus, panem et circenses (Para seduzir o povo, pão e circo).
Esperarei por ti ao lado de Júpiter”.




PS: Vespasiano morreu no dia seguinte à carta. Tito não inaugurou o Coliseu com um jogo de Copa, mas com cem dias de festa. Tanto o pai quanto o filho foram deificados pelo senado romano.





Assim como a gente de Brasília construirá monumentais estádios em Natal, Cuiabá e Manaus, mesmo que nem haja ludopédio por esses lugares.


Só para você ter uma ideia, o campeonato de Mato Grosso teve média inferior a mil pessoas por partida, e a Arena Pantanal, em Cuiabá, terá capacidade para 43.600 espectadores.


Em Recife haverá um novo estádio, mas todos os grandes clubes já têm o seu.


Pior será a arena de Manaus: terá 47 mil lugares e, no campeonato estadual, juntando os 80 jogos, o público total foi de 37.971, menos de 500 torcedores por jogo.


As gentes da Terra Papagalli não ligaram nem mesmo para o exemplo dos sul-africanos, que construíram cinco novos estádios e quatro são altamente deficitários.O pão e o circo continuam...



Recebi esta matéria da Ana Paula, é altamente elucidativa, praticamente atual. Obrigada, filha!

terça-feira, 27 de março de 2012

Sobre notas promissórias/ Uma explicação para meus filhos.




Meus filhos,



Adorei a metáfora de voar com asas alheias feita pela Ana, pois é o que temo para o nosso país.



O Brasil está sendo levado a acreditar que está imune à crise mundial como se estivesse situado em outro planeta.



Parece um Ícaro querendo chegar ao sol com asas de cera.



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Tudo é muito conveniente para os tais "submergentes" que cobrarão toda esta ilusão que nos parece que estar sendo incutida de graça.



Toda esta história de minha infância foi só para justificar este trauma de saber intuitivamente que as coisas não iam tão bem como pareciam, por uma falta absoluta de administração, até pela ignorância das regras do mercado



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-Quem pagará por este clima de euforia injustificada, uma vez que as diferenças sociais em nosso país aumentam dia a dia?



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Estive, Ana, por tua causa, na Espanha dos tempos áureos. A mídia a alçava aos tais píncaros não sei do que. Deu no que deu. O turismo não segurou as pontas.
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Pela primeira vez não estou escrevendo sobre política, mas sobre sentimentos, já que confesso não entender de economia política, mas apenas de sentí-la. E atualmente ela esta sensação de alguma coisa errada paira como nuvens escuras sobre minha cabeça.



Muitos e muitos leitores não entenderam. O Ricardo, meu filho, citou até a China, aquela horrorosa ditadura que explora o trabalho infantil. Não é um bom exemplo. Crescer não respeitando regras básicas do mercado e dos direitos humanos, terá seu retorno, espero. Citou as diferenças da época de minha infância com as da atual. Nada a ver.



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Desculpem-me ser assim. Minha amiga Joana Kalinovski, ao comentar o texto, lembrou do tempo que estudávamos no ginásio: "-você,de rabo de cavalo,ilustrando bem e prometendo muito ser a mulher de agora, sempre atraindo pessoas curiosas por ouvir o que tua descontração absurda tem a dizer".



Descontração absurda!! achei o máximo! Ah! e ela ainda disse que se orgulha de mim, linda Joana!



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Não dá pra ignorar os possíveis efeitos da Copa do Mundo, das Olimpíadas (como eu desejo estar enganada) em nossas vidas: o desvio de dinheiro público, as licitações fraudulentas, a construção de inúteis elefantes brancos, o caótico transporte aéreo e terrestre, toda esta corrupção jogada em nossas caras todos os dias. Eu me sinto constrangida só em pensar o que pode acontecer.



De uma coisa tenho certeza: os ricos ficarão mais ricos e os pobres igualmente pobres.



Um Judiciário falido e desmoralizado (desculpe Ana). Um Executivo e todos os seus "compromissos" e "alianças" dados a uma mulher séria, mas impotente. Um Legislativo cômico se não fosse trágico. E é o povo, somos nós que damos poder aos ridículos políticos. Ridículos somos nós, eles são mesmo meliantes (existem exceções como o Dr. Rosinha, por exemplo).



É a metafórica nota promissória disso tudo que me assusta, como a real nota promissória me assustava.



Eu era muito pequena pra entender, mas sentia.


Os entendimentos mudam, passam, mas os sentimentos indecifráveis ficam, não importa a época em que os vivenciamos.



Beijo,



mãe



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domingo, 25 de março de 2012

Guido Mantega e as minhas notas promissória

Foto tirada pelo meu amigo Renê em um longínquo Encontro Nacional dos Auditores do Trabalho. Esta foto não tem nada a ver com o texto, mas eu estou aparentemente tão feliz e otimista que resolvi colocá-la neste texto sombrio para contrabalançar.




Uma boa parte de minha infância vivi em um ambiente extritamente masculino. À noite fazia lições da escola no balcão do botequim do meu pai e frequentava a barbearia conjugada ao boteco, onde enleada em um cobertor, no colo de um dos operários do bairro escutava jogos de futebol do Rio de Janeiro em um grande rádio de madeira. Quando eu dormia, sempre enleada no tal cobertor um daqueles operários, fregueses, amigos me colocava na cama.
Minha casa ficava atrás do botequim e da barbearia, entrávamos ou pela porta que ligava o boteco à nossa sala de visitas, ou por um portão que dava para a cancha de boche que passávamos rente para entrar em uma pequena área que dava na cozinha.
Quando não tinha futebol escutávamos, na cozinha, programas radiofônicos da Rádio Nacional..."o sombra sabe o mal que se esconde..."etc e tal.
Eu me enrodilhava na minha coberta e procurava um colo disponível e aconchegante, ora o do meu pai, ora um homem chamado Carlos que me tratava como se fosse sua filha.
Morava conosco.
Alugávamos um quartinho para ele bem perto da cozinha, sala de jantar, de visitas. Um corredor enorme que abrigava um fogão à lenha, uma grande mesa para as refeições, o Rádio com cadeira embaixo para os ouvintes.
Cresci assim, descalça, roubando frutas em um mato de um tal de Frenha, jogando futebol, balas Zequinhas no bafo e um jogo chamado caçador, um tanto violento. Tínhamos de atingir os nossos adversários com boladas violentas para marcar pontos. .....
Fazendo este "flash back" concluo que fui uma criança livre, sem amarras, punições, sem ser repreendida ou castigada. Meus pais trabalhavam e era raro mães trabalharem fora.

Minha mãe se danava em atender o botequim que de dia era um "armazém" de secos e molhados, que supria de alimentos a vizinhança.
Lembro das grandes caixas de cereais à granel onde os fregueses se sentavam.
Todas as compras eram no "caderno" ou seja, fiado, no fim do mês eram feitas as contas das despesas e quase sempre pagas.
Durante o dia meu pai pintava paredes. De dia minha mãe e minha irmã atendiam os fregueses. De tarde minha mãe ia dar aula em uma Escola Isolada, minha irmã tomava seu posto mal chegada da Escola Normal. Meu pai, à noite, fechava as portas e aquilo se transformava em uma festa. Jogo de truco, bebida à vontade e por causa do álcool grandes e pequenas brigas entre amigos. Meu pai jogava-os no meio da rua. Uma vez empurrou um invocado que picava seu fumo e ele mais que depressa enfiou o canivete no braço paterno, o mais amado. Comoção árabe...rs...
Iria longe contando dos torneios de futebol, dos bailes carnavalescos e dos bailes "oficiais".
Paro aqui e lembro, ou melhor sinto a sombra que pairava sobre meus pais, minha casa, sobre mim e eu não entendia. Eu sentia uma sensação de perigo iminente quando o mês ia terminando e tinha relação com dinheiro, o que entrou, o que saiu e tudo isso se resumia em duas palavras fantasmagóricas ditas em voz baixa: nota promissória. Elas eram referentes às compras que meus pais faziam para o botequim.Muitas vezes faltava dinheiro para pagá-las.
Meu pai não colaborava muito para que houvesse lucro e minha mãe era implacável. Brigavam feito dois cães furiosos. Minha mãe ameaçava sumir de casa. Era o caos nosso de cada mês. Foi indo até que minha mãe resolveu vender o "estabelecimento"
Fiz o normal, o curso de Direito. Minha mãe aumentou minha idade, não perguntem como, e eu, já aos 14 anos trabalhava no Estado, aos 16 lecionava na escola do bairro.
O curso de Direito me proporcionou alguns cursos de economia política e congêneres. Confesso que colei. Tudo era muito complicado e continua sendo. E cada vez mais.

O que são debêntures, Nasdak, oscilações do mercado atingindo o mundo. Vejo lindas jornalistas explicarem todo este embroglio, sorridentes com se fossem Anas Maria Bragas da economia.
Dão respostas.
Continuo sem entender.
Sei que é o dinheiro que move o mundo capitalista( e o socialista). Sou informada diariamente pelos meios de comunicação da corrupção, do desvio do dinheiro público enquanto o trabalhador, o que constrói, planta e colhe vive das migalhas que sobram destes grandes banquetes.
De repente todo mundo ficou otimista e o nosso país foi alçado aos píncaros sabe-se lá do que.

Perdoem-me os doutores, os entendidos no assunto, mas a menininha que fazia seus deveres de casa no balcão de um bar não consegue relaxar.
Burra! Não estudou quando pode e agora tem uma certeza instintiva que apesar de tudo parecer bem, no horizonte as nuvens estão cinzentas e que teremos de pagar as notas promissórias de todas estas dívidas, de todos os compromissos assumidos e mal gerenciados. (as festas do meu pai depois do expediente levaram à venda do armazém)
Não tenho mais colo, os operários do meu bairro italiano morreram todos, o barbeiro que tinha uma orquestra chamada Pinguim e que eu acompanhava em serenatas tocando pandeiro, também já morreu. Meus pais, duas irmãs, todos os tios, muitos amigos do peito já não estão mais ao alcance do meu olhar e do meu tato.




Porque esta ameaça velada e angustiante de uma entidade chamada Nota Promissória voltou a pairar, como nuvens escuras, sob minha cabeça?




Se tudo parece tão simples assim - Sr.Guido Mantega, o que o senhor sabe sobre notas promissórias??
Nédier




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