05/03/2008
Jorge Pereira Filho e Tatiana Merlino
da redação
O ataque do Exército colombiano que deixou 19 guerrilheiros mortos em território equatoriano vai radicalizar o cenário político na América Latina.
De um lado, o presidente colombiano, Álvaro Uribe, o principal defensor das políticas dos Estados Unidos no continente. E de outro, os governos que rejeitaram a ação militar que violou as fronteiras de um país e se contrapõem – em diversos níveis – à influência estadunidense no continente.
Os antecedentes deste conflito estão na aliança político-militar entre Estados Unidos e Colômbia.
Sob o comando de Uribe, o país sul-americano iniciou uma corrida armamentista e montou o maior aparato de guerra da região, como afirma o cientista político Moniz Bandeira.
“Com população de 44 milhões de habitantes, a Colômbia possui um contingente militar de cerca de 208.600 efetivos, enquanto o Brasil, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados e mais de 190 milhões de habitantes tem um contingente de somente 287.870, a Venezuela, 82.600 e o Equador, 56.500. E relativamente ao PIB, os gastos militares da Colômbia somam mais que o dobro dos gastos do Brasil e somente se comparam aos do Chile, que é também um país militarizado”, relata o professor autor do clássico Presença dos Estados Unidos no Brasil.
O guarda-chuva desta aliança, o Plano Colômbia, nasceu ainda em 2000, quando a o país era governado por Andrés Pastrana (
Por meio desta parceria, os Estados Unidos repassam à Colômbia tecnologia militar, apoio logístico, treinamento de tropas e cerca de US$ 1,3 bilhões anuais para diversas finalidades, inclusive o financiamento da compra de equipamentos militares.
E é a própria indústria bélica dos Estados Unidos o principal fornecedor do exército colombiano.
A saída negociada
Uribe fortaleceu-se politicamente e alcançou sua reeleição com a plataforma do discurso da “tolerância zero” e da eliminação militar das guerrilhas para por fim a um conflito na Colômbia que já ultrapassa seis décadas de violência, sobretudo contra a população civil.
O presidente recebeu, no entanto, dois golpes em sua estratégia. Além de não cumprir com a promessa de exterminar os guerrilheiros, Uribe foi envolvido no escândalo da chamada “pára-política” – denúncias de ligações de seu governo com os grupos paramilitares (Leia texto).
Em outra frente, as Farc abriram uma série de diálogos com governos da América Latina e da Europa, principalmente a Venezuela e a França, com o objetivo de negociar um acordo humanitário. Nele, a guerrilha oferece a libertação de cerca de 60 reféns em troca de prisioneiros do Estado colombiano.
Chávez se empenhou no processo e conseguiu obter sucesso. Seis presos políticos deixaram o cativeiro, em uma demonstração unilateral da guerrilha de que estava disposta a trabalhar por uma saída negociada para o conflito. Uribe e Bush reagiram.
A ação militar da Colômbia matou o principal interlocutor da guerrilha nessas negociações, Raúl Reyes – porta-voz e número dois no comando das Farc.
“Uribe sabia perfeitamente, e há muito tempo, onde estava Raúl Reyes. Como também tinha conhecimento que o presidente Rafael Correa (Equador) mantinha relações estritamente humanitárias com Reyes para tratar de solucionar o problema dos reféns”,
afirmou o francês Fabrice Delloye, ex-marido e pai dos dois filhos da ex-senadora Ingrid Betancourt, seqüestrada desde 2002. Segundo ele, Uribe sabotou o processo de libertação dos reféns (Veja declarações).
Para o geógrafo André Martin, a ação foi planejada.
“É óbvio que foi uma ação calculada com os Estados Unidos, com a CIA, que vislumbram até onde podem ir as reações equatoriana e venezuelana. Isso começa a crispar todo o continente sul-americano, existem outros focos de tensão que não se podem subestimar. Para onde vai se levar isso? O que se quer, dividir o continente entre pró e antiamericanos?”, questiona (leia mais).
Em sua estratégia, o presidente colombiano não hesitou em ferir os acordos internacionais e violou a fronteira do Equador para atacar os guerrilheiros, invadir território alheio e buscar corpos e equipamentos.
“Tanto sangue correu, tantas guerras foram feitas para se erigir como princípio a inviolabilidade das fronteiras, o respeito às fronteiras, estabelecidas na ONU, consenso entre as partes. Agora, viola-se isso impunemente, não tem mais ordem mundial nenhuma, é o império da selva”, enfatiza o geógrafo.
Ofensiva
A resposta dos governos do Equador e da Venezuela foi imediata. Chávez e Correa determinaram a seus exército que se movessem para a fronteira com a Colômbia. Uribe ensaiou um pedido de desculpas, alegando que o exército respondia a um ataque dos guerrilheiros (
veja texto).Foi prontamente respondido por Correa:
“Os cadáveres estavam de pijama, isto é, não houve nenhuma recepção quente. Foram bombardeados e massacrados enquanto dormiam, com uso de tecnologia de ponta, que os localizou na selva, seguramente com a colaboração de potências estrangeiras”.
Fato é que criou-se um conflito sem precedentes.
“O que está por trás dessa discussão é a hegemonia no Norte da América do Sul e da relação com os EUA. Esse é o maior impasse de origem militar que os países já enfrentaram”,
afirma Júlio Pimentel, historiador da USP. Moniz Bandeira não crê que o conflito possa desencadear em uma guerra, de fato.
“A desproporção de forças militares é muito grande, embora a Colômbia tivesse de lutar em duas frentes”, considera.
Já o brigadeiro da reserva Sérgio Ferolla, ex-presidente da Escola Superior de Guerra, não descarta a ocorrência de um conflito militar.
“As posições estão muito radicalizadas. O governo da Colômbia acusa os países de patrocinarem as guerrilhas. Uribe disse que vai denunciar Chávez na Corte de Haia. Esse conflito pode desencadear uma questão bastante séria e o Brasil tem responsabilidade grande, porque sempre foi mediador pacífico entre desavenças e conflitos de fronteiras. Como o país tem uma atuação neutra e bom relacionamento, talvez consiga atenuar o conflito”, avalia.