segunda-feira, 9 de maio de 2011

Terra





Durante o dia inteiro a neblina transformou a baía em uma visão difusa.
Dava pra ver a Serra do Mar como uma muralha verdolenga limitando as águas silenciosas. Poucos barcos, as pessoas que passavam na rua eram sombrias como tudo mais.
A janela parecia uma moldura de um quadro de Manet. Mas nada era impressionismo, embora parecesse etéreo, era real.Então o escurão, como um inesperado golpe de Estado, engoliu todas as visões. O silêncio absorveu os sons. Era a noite mais negra que já vira e a ausência de qualquer luz entrou fininha e insidiosa no seu peito. Não era uma antevisão da Morte, aquela escuridão era uma Vida sem luz.



A brisa fresca que tocava suave em sua pele não penetrava em seus pulmões.
Um suspiro inesperado demonstrou que era ela quem retinha o ar.



A escuridão invasiva onde gostaria de se diluir era uma sensação próxima da dor. De todas as dores físicas e emocionais que vinha dedilhando dia a dia como a um terço. Mas não era dor o que sentia, nem saudade, remorso ou expectativa.



Pensou em acender uma vela, mas a idéia de uma luz de vela revelando seu corpo pareceu inútil.



Deixou-se então mergulhar na noite. Peixe, ave, um ser noturno e sem rumo.



Quando sentiu que ia afundar numa dissolução bendita, começou chover macio.Seu corpo molhou e tomou forma. Pés na lama.



Ela era apenas Terra numa noite escura.




Guaraqueçaba, 25 de abril de 2011





Foto: Erosão de solos nus, cultivados com amendoeiras (foto de F. López Bermúdez