"Pra não dizer que não falei das flores" Geraldo Vandré .
Infiltração
Bursite (Vejam no Google)
O ortopedista de quadril (existem os só de joelho, de pé, de mão e os "genéricos" que nos encaminham para os "especialistas") me alertou:
- Não há garantia de cura, mas a infiltração é um paliativo para a dor. No quadril só pode ser feita no hospital com anestesia geral, pois a sra. não iria suportar a dor. O ambiente deve ser completamente asséptico e com monitoramento radiológico.
- Fico internada?
- Um dia, sai no dia seguinte. A sra. terá que fazer que fazer um jejum absoluto, nem água, nem remédio à partir das 22 horas do dia anterior. Antes terá que fazer uma entrevista com um anestesista.
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Entrevista com o anestesista
- A Sra. tem alergias?- Não que eu saiba.
- É diabética?- Não.
- Usa prótese móvel?- Não.
- Tem pressão alta?- Não.
- Toma medicação de uso contínuo?- Sim, Triseqüens.
Passei no teste.
Diferente do que tinha me dito o ortopedista, ele indicou uma analgesia e em seguida uma anestesia raquidiana.
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A infiltração
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Eu e o Ode chegamos às 8:30 no hospital, como tinha sido prescrito para a micro-cirurgia que seria às 10 horas.(Micro-cirurgia - conforme fui informada - é qualquer procedimento invasivo).
O Ode ficou 40 minutos preenchendo formulários e respondendo questionários enquanto eu esperava.
A Ana chegou, toda animada, como sempre:
- Ufa! Acertei o caminho e não levei nenhum tombo!
Fomos para uma suíte belíssima que o Ode havia reservado (lembrei das que vejo nas novelas da Globo).
Meu plano de saúde cobre.
Eu estava sonolenta depois de uma noite sem dormir por causa da dor.
Quis descansar, mas a cada 5 minutos entrava uma enfermeira e me fazia o mesmo questionário feito pelo anestesista-entrevistador: - A sra. tem alergias?...etc...
Outra enfermeira me avisou para que eu não trocasse de roupa que logo viriam me buscar de maca.
Veio um rapaz educadíssimo.
Mandou eu tirar a roupa e vestir um jaleco semi-fechado atrás, que me deixava com a bunda de fora (além de não ser bonita, minha bunda é muito fria).
Ele foi me empurrando na maca e fomos conversando até chegarmos ao ambulatório.
Eu estava calma e bem humorada:
- Vou dormir e resolver em parte a minha dor, depois das duas transferências de datas da infiltração.
Para cada enfermeira que passava por mim eu perguntava:
- Não vai me perguntar se eu tenho alergia??
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Ambulatório.
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Assepsia... Parecia uma feira livre onde circulavam médicos e enfermeiras. Os pacientes eram separados por cortinas leves e dava para ouvir todas as conversas, gemidos, fofocas, tudo, menos o que eu perguntava. Para mim a resposta era sempre:
- Não sei, estou atendendo outro paciente.
Eu só tinha visto ambiente semelhante em comédias sobre atendimento hospitalar.
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Anestesista
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Chegou o tal, um jovem bonito e simpático:
- Vou lhe dar uma analgesia leve.
- Quero entender: o ortopedista disse que seria anestesia geral, o "anestesista entrevistador" disse que seria uma analgesia seguida de uma anestesia raquidiana.
- Que absurdo!! Anestesia para uma simples infiltração! Mas não se preocupe, vou lhe aplicar uma analgesia fantástica, você não vai sentir nada. Então fez um questionário alternativo:
- Você fuma maconha?
- Cheira cocaína?
- Usa exctasy?
- É alcoólica ou usuária de outra droga?
Respondi que não e que nem tinha idade para isso.
- Quantos anos você tem? Respondi.
Ele abaixou seu rosto e disse perto do meu:
- Não conte pra ninguém.
Então fez uma pergunta completamente idiota:
- Como é que você arranjou esta bursite?
A maioria das pessoas, (imaginem um médico) sabe que existem muitas causas para que uma bursa se inflame, desde impacto, até baixa resistência física.Será que alguém "arranja" uma bursite porque quer sentir dor?
Mesmo assim respondi:
- Não sei. Já tive bursite nos dois ombros e tratei com fisioterapia, essa, acho que "arranjei" dançando pole dance em um motel.
Riu, mas se mostrou interessado:
- Existe motel em Curitiba com pista de pole dance?
- Não foi aqui.
- Ah!
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Procurou uma veia no meu braço para iniciar sua analgesia fantástica.
Não pude ver se a agulha estava presa a um soro.Senti a língua pesada e pensei feliz:
- Vou dormir, enfim.
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O ortopedista.
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Repentinamente chega um homem de luvas, touca, máscara, jaleco...brancos. Só pude ver uns olhos pequenos e escuros.
- Cheguei!!!
- Quem é você? perguntei assustada e completamente lúcida. A analgesia fora pras cucuias.
Ele baixou a máscara. Vi que era o ortopedista.
Ele me perguntou:
- O que vai ser? Desculpe, em que perna vai ser a infiltração?
- Eu disse ao doutor que a dor era na perna esquerda, mas o sr. prescreveu que seria bilateral.
Na posição em que eu estava não pude observar, que no local em que o anestesista colocara a agulha no braço, eu sangrava a ponto de encharcar parte de maca.
O ortopedista iniciou a infiltração. Ele havia me dito que sem anestesia geral a dor seria insuportável. Foi, mas suportei. Eu tentava gritar de dor o mais baixo possível. Quase enlouqueci.
Ele comentou:
- Está doendo porque encontrei o lugar. (e o tal monitoramento radiológico?)
Chega o "analgesista"
- Tudo bem?
- Tudo bem? Eu senti todas as dores.
- Você dormiu.
Percebi o ortopedista apontando com os olhos o meu pulso que continuava sangrando.
Ele sumiu.Chamei-o de volta e uma enfermeira me respondeu:
- Ele foi atender outro paciente.
Terminado o procedimento. A dor era insuportável. Ouvi do ortopedista:
- Estou lhe dando alta.
- Como, doutor? O sr. me disse que eu ficaria pelo menos uma noite e iria embora no dia seguinte.
- A sra. entendeu mal, se enganou. Eu não disse isso. Os procedimentos ambulatoriais não permitem internamento.
- Doutor, por favor! Não tenho quem me cuide, minha casa é cheia de escadas. Eu reservei uma suíte, eu pago uma diária a mais.
Ele me deu um olhar como quem dá ombros:
- Não é possível, é norma do hospital.
Quem teria criado a norma de anestesia geral, descumprida?
Afastou-se rapidamente, mesmo eu dizendo que estava também com dor de cabeça. Chegou antes de mim no quarto, onde a Ana e o Ode esperavam. Deu alta e não deixou nenhuma prescrição médica ou receita.
- Minha secretária entra em contato com vocês segunda-feira.
Era sábado, meio-dia.
Foi um fim de semana de pura e absoluta dor.
O juramento de Hipócrates é uma declaração solene tradicionalmente feita por médicos por ocasião de sua formatura.
Acredita-se que o texto é de autoria de Hipócrates ou de um de seus discípulos.
"Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça (...)"
Gostaria de saber se há parentesco grego (etimológico) entre Hipócrates e Hipocrisia??
Nédier
PS:- Talvez insensibilidade seja um termo mais adequado do que hipocrisia. A sensibilidade dos profissionais de Medicina, talvez pela própria rotina, vai se neutralizando aos poucos. Seria injusto de minha parte não mencionar que uma grande parte dos médicos que tratou e trata a mim e aos meus familiares são profissionais dedicados, competententes, não mercenários, dignos e sensíveis. Vou mencionar apenas alguns, como Gerson Gebert, Abdala Sarraf, Miguel Riscalla, Gilson Yared e Sérgio Todeschi. Eu acredito que existem milhares como eles que nos dão alguma esperança de que um dia o nosso país poderá se orgulhar da saúde de nossa população, hoje tão precária.