foto: Joka Madruga
Do profundo e desconhecido oceano de minha mente emergem
fatos, expressões, situações que são subitamente iluminadas pela luz de minha
consciência.
Quando tento entender a súbita aparição, consigo apenas
reviver uma emoção antiga.
Das mais antigas sensações
existe uma, que me faz sentir embalada por braços fortes. Fui uma
criancinha chorona e insone. Estes braços deviam ser ou do meu pai ou de um dos
meus tios, meu rosto se encosta no peito deste homem e minhas pequenas mãos
buscam a pele de seu pescoço. Depois disso o nada.
Outro acontecimento emerge com uma força considerável. Hoje ele
me explica o aparentemente inexplicável.
Era domingo. O cenário é o pátio de um hospital onde minha
mãe, minha irmã mais velha com a perna engessada apoiada em um banco, médicos,
enfermeiros apanham sol em torno de um pequeno rádio. Eu estou fora da roda,
rodeando-a sem entender um ar pesado de repirar,
Então o silêncio. Absoluto. Total. Denso como uma nuvem
carregada baixando sobre o mundo... Uma tristeza insuportável. A figura do meu
pai surge no cenário. Ele fora escutar “o” jogo de futebol na casa da
mama, rodeado dos irmãos. A expressão em seu rosto lívido até hoje para mim
representa “A Derrota”.
Só bem mais tarde conclui que o Brasil tinha perdido, em casa,
uma Copa do Mundo cuja vitória era tida como certa. Seríamos e não fomos
campeões do mundo.
- Que força é esta que consegue irmanar um país inteiro em
uma só dor, em um silêncio mórbido?
Esta memória eventual me faz entender a força do futebol em
nossas vidas. Ele nos dá grandes alegrias, grandes decepções, indignações que
nos levam às lágrimas.
É irracional? E quem disse que somos apenas seres racionais quando a memória afetiva permanece?
Este fato emerge para em seguida submergir. Neste átimo de
tempo iluminado pela consciência tudo se torna silencioso e triste.
O futebol me torna ora vencedora, ora humilhada e rebaixada,
ora frustrada por um gol perdido ou anulado.
- E não é assim a vida?
Um time de futebol tinge com suas cores as nossas almas, se
incorpora em nossas vidas.
Minha alma é rubro-negra!
Eu sou atleticana paranaense, assim como sou mulher, mãe,
profissional.
As pessoas se identificam:
- Sou corintiano!
- Sou Flamengo!
- Torço pelo Grêmio! Etc. e tal.
A nossa paixão pelo futebol não é um fenômeno sem
explicação. É a própria vida com suas
bandeiras coloridas flanando pelos ares.
É o alívio após um sufoco. São palavrões após um passe mal
dado ou um erro de arbitragem. É a profunda tristeza de uma derrota, mas é
enfim a alegria insuperável de um gol.
Um gol que nos pertence.
foto:Heuler Andrey
Nédier
Este texto é dedicado ao meu querido Luiz Ricardo Brusamolin.