As lembranças deste tempo distante foram surgindo como pedaços de nuvens soltas no céu da minha insônia.
Eu e meus três filhos.
Eles dormiam na minha cama, onde estamos nesta foto, até o pai chegar tarde da noite do trabalho.
Na foto, o Ricardo que está no meu colo com cara de choro, deitava entre as minhas pernas com a cabeça apoiada na minha barriga e de um lado a Ana e de outro, o Fabrício. Eu lia histórias que criava durante a tarde no meu trabalho e datilografava na minha Olympia.Os personagens tinham vida e permaneceram no meu imaginário e no deles como se fossem seres reais. Às vezes fazíamos histórias coletivas cada um criando um pedaço. Mais tarde, os alfabetizados iam pra minha cama com seus livrinhos e líamos em silêncio, até que pouco a pouco eles fechavam os olhos como se fossem pequenas janelinhas que assim cerradas pareciam protegê-los da visão da realidade permitindo-os viver seus sonhos de criança.
Na foto, visto uma camisola verde de malha vagabunda que eu chamava de "Nuvens Passageiras", em homenagem à sua estampa horrorosa.
Bons momentos perenizados em uma fotografia. Nuvens que passaram.
Eu era jovem, tive meus filhos antes dos trinta anos e aprendi com eles a ser mãe.
A felicidade era esse deitar juntos, tomar banho juntos numa grande banheira. A glória era ir aos domingos no Passeio Público ver os macaquinhos e comer mini-pastéis (na época, eu bebia Campari), brincar nos disputados balanços. Íamos também andar de pedalinho no lago do Parque Barigui onde uma vez ficamos encalhados.
Tudo era tão bom e eu tinha tanta energia que só de pensar fico cansada: trabalho, pediatra, ortopedista para as pernas do Fabrício, oftalmologista para os olhos da Ana Paula com exercícios de ortótica quase diários, ballet da Ana, Alliance do Fabrício,dentistas, dentistas, pediatras, comprar e comprar roupas (como eles cresciam!), encapar cadernos, ir nas reuniões na escola...etc, etc e tal.
Quando o pai chegava, tarde da noite, era sempre o mesmo ritual. Ele tirava o livro aberto do meu peito e o óculos pendurado no nariz e depois colocava um a um em sua cama. Era um dos poucos contatos que tinha com os filhos.Nesta época, por causa do trabalho, ele era um pai ausente, mas eu tive a presença de minha sogra que morava conosco e me ajudou a criá-los.
Nesta foto, a não ser pela cara de sono e de choro do Ricardo (eu também pareço cansada) os outros dois me parecem tranquilos e felizes.
Nuvens passageiras.
Hoje todos eles têm seus filhos.
Meus três filhos são como ramos de minha árvore, ora cheio de flores ou de frutos, ora secos como galhos no inverno que parece que nunca mais vão florescer.
Fiz tudo para criá-los bem, mas sempre me senti em falta, sabe-se lá do quê. As mães sempre se sentem culpadas.
Hoje o Fabrício é um senhor engenheiro que trabalha com hidrelétricas em seus projetos de viablidade e diz frases surpreendentes. O pequeno chorão, também engenheiro, ficou prematuramente grisalho e é coordenador de um órgão importante relacionado ao governo. Possui um humor negro arrepiante...rs...A Ana trabalha no Tribunal de Justiça e embora já seja formada em psicologia está estudando Direito com muita seriedade, Ela é engraçada, espirituosa, uma imitadora nata. Alegra qualquer ambiente.
Todos tem sua família, seu emprego, seus amigos, seu lazer...
Não tem lugar pra mim na cama deles, ainda bem!! Assim é a vida.
Nuvens passageiras.
Nédier