sábado, 31 de março de 2007

Histórias antigas para os jovens modernos

Nédier e Luci aos 15 anos

Portas Retratos e Radiolas


Na década de 60 - anos que devem ter sido realmente dourados - ou pelo menos mais ingênuos e românticos - as mocinhas ricas quando chegavam aos 15 anos debutavam, as que não tinham condições financeiras para debutar, eram levadas pelas mães a um fotógrafo e ele lhes tirava uma fotografia de meio corpo para que a jovem presenteasse os familiares e as amigas.

Normalmente a foto era colocada em um porta retrato na sala.

O porta retrato, em cima de uma toalhinha de crochê, ficava sobre a cristaleira, ou sobre a mesinha que compunha o "conjunto estofado", (três poltronas, duas individuais e uma com dois ou três lugares). As vezes era colocado sobre a radiola ou vitrola, um lindo móvel de madeira onde eram tocados os discos de vinil.

Para mim, a radiola era, nesta época, a peça que mais dava status às casas.
Eu, a Luci e nenhuma das adolescentes do meu bairro tivemos uma radiola. Nem sonhávamos ter, estava muito além do alcance da renda familiar. A não ser a minha mãe, eu não conhecia mais nem uma outra mãe que trabalhasse fora. As casas eram mantidas apenas pelos homens. No meu bairro eles eram operários de fábricas, da construção civil ou tinham algum ofício como sapateiros, pintores de parede, encanadores, marceneiros, etc.

O meu primeiro namoradinho, que morava em outro lado da cidade, tinha uma radiola (ou vitrola). Quando ele foi me tirar pra dançar em uma tarde-dançante de domingo, não nos conhecíamos ainda e o seu primeiro assunto
foram os seus discos.
- Quem tinha discos tinha uma radiola!!!

Entre nós, adolescentes que morávamos no bairro italiano do Ahu, um jovem ter uma radiola era como hoje ter um automóvel ou uma moto. Devia ser rico...rs... Nunca era, mas se tinha uma radiola e já era pra mais da conta...


Nédier

Para vocês que nunca viram uma radiola ou uma vitrola, consegui a foto de uma e em dois ângulos.
É só clicar abaixo:

Mario Quintana


"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.


"Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui.


"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria. E só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.


"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.


"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.


"Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.


"Diabético" é quem não consegue ser doce.


"Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer.


E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois "Miseráveis" são todos que não conseguem falar com Deus.

Mario Quintana



Mais um presente da Rosane


DISSIMULADA



bordo paetês na fantasia...

que cobre minhas dores,

meus calores

o meu cio...


e dissimula meus temores,

meus tremores,

meu vazio...



Versos feitos em parceria com a poeta Rosane Coelho.
Ela se inspirou no que escrevi em nossa constante troca de mensagens sobre a capacidade feminina de dissimular para conciliar, evitando enfrentamentos: amor_tecendo...

http://www.rosanecoelho.prosaeverso.net/publicacoes.php


Foto: Eu e a Marily, mãe da Marcela Galvão Bernardi que colou de grau em Jornalismo. A foto foi tirada durante o baile em 24.03.07

sexta-feira, 30 de março de 2007

Para o Marcelo Ferrari

Marcelo,

O teu lindo texto - O Pão Nosso de Cada Dia ::: (sobre onipresença) - além de me reconfortar, teve mais um mérito: para eu poder comentá-lo, acabei abrindo este blogger.
Custei a aprender lidar com ele.
Para treinar, postei poesias, crônicas, fotos, textos antigos. Valeram horas de puro prazer pra quem estava se sentindo tão nada, enfurnada em minha toca feito um bicho.

Ontem fui me despedir da Luci, minha amiga da infância, mais que uma irmã. Nós crescemos tão juntas que era como se fôssemos uma pessoa só.
Ela criou cinco filhos bonitos e equilibrados. Era boa esposa e mãe mas, debaixo da aparência de uma simples dona de casa, vivia uma artesã criativa, uma artista que pintava belos quadros.
Não ficou doente, foi embora porque seu coração parou.

Na noite anterior à sua morte eu sonhei com ela. Pulei de pijama de flanela para a sua cama. Duas menininhas assustadas se amparando mutuamente. Como numa tarde de domingo, no fim de um jogo de futebol de várzea, quando nós duas perdemos a condução de volta (na carroceria de um caminhão) e tivemos que voltar para casa andando durante horas, pelo meio do mato, cheias de medo.
A nossa única segurança era que estávamos juntas como sempre estávamos, mãozinhas apertadas uma na outra.
(Eu sonho constantemente com ela, somos crianças ou adolescentes e estamos de mãos dadas)

Na capela funerária, aproximei-me para vê-la e gostei de sua expressão serena, parecia dormir. Quando eu olhava a minha criança morta, ali em minha frente, envolta em flores, uma outra companheira de nossa infância, sua prima Marilis, agora uma senhora tão tranqüila, chegou bem perto, me abraçou por trás e disse baixinho em meu ouvido:
- Como somos felizes! (assim no presente) Que infância maravilhosa nós
tivemos!!

Não é coincidência, é sincronicidade. O mundo, este deus onipresente e onisciente está se esforçando para que eu saia desta toca onde me escondi - há tanto tempo - como um animal que precisou hibernar para sobreviver.
E eu sobrevivi às trevas desta noite e hoje um novo dia amanheceu em mim.

Nédier
Foto:
- Eu, a Luci e seus dois primos: Odenir e Adilson. Eles foram nossos pares na quadrilha da festa junina da Igreja do Cabral. O Odenir era apenas o primo da Luci.

quinta-feira, 29 de março de 2007

“Não há destruição maior do que a morte da memória.”

“TODOS SABIAM”


"A morte anunciada do Padre Josimo”



Eu tinha terminado de ler “TODOS SABIAM” de Binka Le Breton e resolvi escanear a foto do Josimo, que está na contracapa, para colocar no meu arquivo fotográfico da Comissão Pastoral da Terra. Tentava colocar um fundo colorido na imagem do Josimo e olhando na tela do meu computador aquele rosto jovem e mulato, tive uma forte impressão que já o conhecia.

Estava chovendo.

Uma brisa leve entrou pela janela e trouxe um perfume de mato e de terra molhada. Olhei de novo a foto e - como explicar - senti a presença viva e vibrante do Padre Josimo.

A memória olfativa de tempos que eu não vivi impregnou minha mente com um cheiro do pó das estradas, de sandálias de couro cru, de roupas rústicas suadas de calor e de cansaço. Vi-o em frente à primeira manifestação dos trabalhadores rurais que ele tinha organizado. Ouvi sua voz falando à multidão que se reunira em procissão até a praça principal:

- Vocês estão vendo o homem que está em pé ali? Bem ele é o delegado. Aqueles homens perto dele são pistoleiros e eu quero que vocês dêem uma boa olhada neles. Eles estão aqui para nos assustar!

Era o início de seu fim. O início de uma morte anunciada que acabou acontecendo enquanto ele subia os degraus da escada do escritório da Comissão Pastoral da Terra - que coordenava na Diocese de Tocantinópois.

Ia apressado para continuar seu trabalho. Um trabalho contra a injustiça social, contra o “o latifúndio, a polícia, as oligarquias que ainda continuam mandando, ao se completar 500 anos de colonização”. Um trabalho que tinha, e tem, que ser reiniciado todas as manhãs. Ele já escapara de um primeiro atentado e sabia que olhos da morte o espreitavam, mas não se acovardou e prosseguiu.

Era véspera do Dia das Mães, 10 de maio de 1986. Estava no meio da escada quando sentiu o impacto de fogo no peito e viu o sangue brotar em sua camisa. Amparo e Perpétua, duas mulheres que o auxiliavam em seu trabalho ampararam o seu corpo que se desprendeu de uma cruz que ele mesmo construíra com audácia e destemor.

- Mataram Josimo!

Estas palavras foram pronunciadas com imensa dor pelos homens, mulheres e crianças pelos quais ele morreu. Mas com grande alegria e alívio pelos que
desejavam a sua morte pois ele os ameaçava só por existir e lutar para que a TERRA ficasse nas mãos calejadas dos seus verdadeiros donos. Dos que a tornam fértil e produtiva. Dos que sabem que ela é fonte de vida.

Olhei de novo sua foto no monitor e vi que o conhecia, não porque tinha acabado de ler sobre a sua vida, mas porque, de certa forma, ele continuava vivo dentro de mim. Nascera de uma semente plantada por um tiro certeiro que também se alojara no meu peito. Pousei as minhas mãos brancas e sem calos sobre o teclado do computador e fiquei olhando a foto de Josimo ampliada na tela luminosa. Então, falei baixinho:

- Ô, Josimo não posso deixá-lo num arquivo, é preciso que outras pessoas saibam que você viveu e lutou pelos direitos do homem do campo, dos que aram a terra, semeiam e colhem seus frutos para alimentar esta nação. Vou querer que outras pessoas vejam seu rosto e queiram conhecer sua história. É preciso que saibam que você está vivo e que embora continue sendo assassinado em muitos cantos deste país, encharcando esta terra de sangue, você renasce todos os dias.

Não vou contar a história do Padre Josimo, ela já foi bem contada neste livro, TODOS SABIAM escrito, incrivelmente, por uma inglesa, Binka Le Breton. Procurem ler. Escrevo sobre ele neste sítio para reverenciar sua memória.
Depois de ler este livro lindo, eu me senti na obrigação de recomendá-lo para os meus amigos, é o que faço agora...

Pois, como escreveu D. Tomás Balduíno, se referindo ao “TODOS SABIAM”...

“...o que faz a beleza desta obra é a beleza mesma de Josimo. É sobretudo, a beleza deste povo extraordinário de homens e mulheres do sertão, marcados para morrer, mas que sempre ressuscitam e vivem."

Josimo, vivo, no meu coração, continua a sua missão, mas a criação deste mundo justo e fraterno depende de todos nós.

Nédier

- Os mandantes deste crime ainda não foram punidos


Chovem gotas de luar do céu de Curitiba...
Sai até o jardim e com pés descalços pisei
nas poças d´água.
No céu nenhuma estrela.
Um vento frio trouxe uma fresta na madeira
do meu quarto de criança, que se enrolou
num cobertor de lã.
Não quero Quixotes, nem flores improváveis,
não quero heróis.
Quero a minha mãe sentada à beira de minha cama
afastando todos os meus medos.
Do escuro.
Da chuva. Dos trovões.
Do Tudo e do Nada.
Das sombras de ninguém.
Eu só quero um momento sem medo
e um pouco de paz.

Nédier


Foto: Gertrude Kasebier

Amanheceu em mim


Auroras

"Em inglês há uma expressão bonita para dar-se conta, ter uma revelação, entender.
"It dawned on me"
Amanheceu em mim.
Descreve o sentimento de subitamente ver com clareza o que antes era obscuro como uma aurora interior.

Idéias amanhecem dentro de nós.

Os olhos de uma pessoa se iluminarem quando ela tem uma percepção nova não é um clichê literário, é a luz deste alvorecer saindo dos olhos. Não sei se existe expressão parecida em outras línguas, mas ela deveria ser universal. Afinal sua origem é a experiência mais comum da humanidade desde que ela viu sua aurora, a do sol afastando as trevas, a da noite, dando lugar ao dia e à sua maior dádiva, que é a de nos permitir enxergar.

O amanhecer é uma metáfora pronta, e reincidente. Usamos para descrever a história: O Renascimento como um novo dia depois da noite medieval, o Iluminismo como o sol resgatando o espírito humano das sombras da ignorância e da superstição, etc.

Mas tanto como figura de linguagem quanto como alegoria histórica, todo o amanhecer tem sua conseqüência, também reincidente e inescapável. Nenhum dia é para sempre, todo amanhecer anoitece. Não importa quantas auroras pessoais você experimentar, e quantas verdades vierem iluminá-lo por dentro, elas não são permanentes, nem farão muita diferença fora de sua pele."



Trecho de uma crônica de Luis Fernando Veríssimo
- Transcrito em homenagem ao Jorge

- Foto tirada por mim na Marcha Nacional em 2005

quarta-feira, 28 de março de 2007

Praça Tiradentes

PRAÇA TIRADENTES


* Curitiba *

Eu vejo você na praça,
nos bancos,
nos cantos
da praça.

E sinto o cheiro de suor
do teu cansaço
e do cigarro
teu


É um mistério
o que te empurra
passo a passo
sapato velho
e terno gasto
sem ilusão


A não ser
a desta Sena
acumulada
bem disfarçada
no bolsinho
surrado
do coração.


Nédier
.
Tela de Di Cavalcanti

O Tempo


O tempo não é, minha amiga, aquilo que você pensou
As festas, as fotos antigas as coisas que você guardou
Os trastes, os móveis, as tranças, os vinhos, os velhos cristais
As doces canções de criança, lembranças , lembranças demais
O tempo não pára no porto, não apita na curva, não espera ninguém

Você vem deitar no meu ombro, querendo de novo ficar
Eu olho e até me assombro, como pode esse tempo passar
O tempo é areia que escapa, até entre os dedos do amor
Depois é o vazio , é o nada, é areia que o vento levou
O tempo não pára no porto, não apita na curva, não espera ninguém

O medo correndo nas veias deixou tanta vida pra trás
E a gente ficou de mãos cheias com coisas que não valem mais
E fica um gosto de usado naquilo que nem se provou
A gente dormiu acordado e o tempo depressa passou
O tempo não pára no porto, não apita na curva, não espera ninguém

(Reginaldo Bessa)
Foto antiga: Machu Pichu

Marcha Nacional

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