quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Os telegramas do Wikileaks...

O fundador do site Wikileaks, Julian Assange






Os telegramas do Wikileaks, a mídia e o MST
23 de dezembro de 2010

Por Igor Fuser - Jornalista e professor
*Especial para a Página do MST
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Os jornais brasileiros divulgaram na semana passada referências ao MST feitas em telegramas sigilosos enviados nos últimos anos por diplomatas estadunidenses no Brasil aos seus superiores em Washington e revelados pela rede Wikileaks. Algumas reflexões podem ser feitas a partir da leitura desse material.
1. A imprensa empresarial brasileira manteve nesse episódio sua habitual postura de hostilidade sistemática ao MST, apresentado sempre por um viés negativo, e sem direito a apresentar o seu ponto de vista. Para os jornais das grandes famílias que controlam a informação no país, como os Marinho e os Frias, o acesso a vazamentos da correspondência diplomática representou a chance de lançar um novo ataque à imagem do MST, sob o disfarce da objetividade jornalística. Afinal, para todos os efeitos, não seriam eles, os jornalistas, os responsáveis pelo conteúdo veiculado, e sim os autores dos telegramas.
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Desrespeitou-se assim, mais uma vez, um princípio elementar da ética jornalística, que obriga os veículos de comunicação a conceder espaço a todas as partes envolvidas sempre que estão em jogo acusações ou temas controvertidos. Uma postura jornalística honesta, voltada para a busca da verdade, exigiria que O Globo, a Folha e o Estadão mobilizassem seus repórteres para investigar as acusações que diplomatas dos EUA no Brasil transmitiram aos seus superiores. Em certos casos, nem seria necessário deslocar um repórter até o local dos fatos. Nem mesmo dar um telefonema ou sequer pesquisar os arquivos. Qualquer jornalista minimamente informado sobre os conflitos agrários está careca de saber que os assentados no Pontal do Paranapanema mencionados em um dos telegramas não possuem qualquer vínculo com o MST. Ou seja, os jornais que escreveram sobre o assunto estão perfeitamente informados de que o grupo ao qual um diplomata estadunidense atribui o aluguel de lotes de assentamento para o agronegócio não é o MST. O diplomata está enganado ou agiu de má fé. E os jornais foram desonestos ao omitirem essa informação essencial.
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Esse é apenas um exemplo, revelador da postura antiética da imprensa em todo o episódio. Se os vazamentos do Wikileaks mencionassem algum grande empresário brasileiro, ele seria, evidentemente, consultado pela imprensa, antes da publicação, e sua versão ganharia grande destaque. Já com o MST os jornais deixam de lado qualquer consideração ética
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2. A cobertura da mídia ignora o que os telegramas revelam de mais relevante: a preocupação das autoridades estadunidenses com os movimentos sociais no Brasil (e, por extensão, na América Latina como um todo). Os diplomatas gringos se comportam, no Brasil do século XXI, do mesmo modo que os agentes coloniais do finado Império Britânico, sempre alertas perante o menor sinal de rebeldia dos “nativos” nos territórios sob o seu domínio. Nas referidas mensagens, os funcionários se mostram muitos incomodados com a força dos movimentos sociais, e tratam de avaliar seus avanços e recuos, ainda que, muitas vezes, de forma equivocada. O “abril vermelho”, em especial, provoca uma reação de medo entre os agentes de Washington. Talvez por causa da cor... A pergunta é: por que tanta preocupação do império estadunidense com questões que, supostamente, deveriam interessar apenas aos brasileiros?
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3. O fato é que o imperialismo estadunidense é, sim, uma parte envolvida nos conflitos agrários no Brasil. Essa constatação emerge, irrefutável, no telegrama que trata da ocupação de uma fazenda registrada em nome de proprietários estadunidenses em Unaí, Minas Gerais, em 2005. Pouco importa o tamanho da propriedade (70 mil hectares, segundo o embaixador, ou 44 mil, segundo o Incra). O fundamental é que está em curso uma ocupação silenciosa do território rural brasileiro por empresas estrangeiras. Milhões de hectares de terra fértil – segundo alguns cálculos, 3% do território nacional – já estão em mãos de estrangeiros. O empenho do embaixador John Danilovich no caso de Unaí sinaliza a importância desse tema.
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4. Em todas as referências a atores sociais brasileiros, os telegramas deixam muito claro o alinhamento dos EUA com os interesses mais conservadores – os grandes fazendeiros, os grandes empresários dos municípios onde se instalam assentamentos, os juízes mais predispostos a assinarem as ordens de reintegração de posse.
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5. Por fim, o material veiculado pelo Wikileaks fornece pistas sobre o alcance da atuação da embaixada e dos órgãos consulares dos EUA como órgãos de coleta de informações políticas. Evidentemente, essas informações fazem parte do dia-a-dia da atividade diplomática em qualquer lugar no mundo. Mas a história do século XX mostra que, quando se trata dos EUA, a diplomacia muitas vezes funciona apenas como uma fachada para a espionagem e a interferência em assuntos internos de outros países. Aqui mesmo, no Brasil, fomos vítimas dessa postura com o envolvimento de agentes dos EUA (inclusive diplomatas) nos preparativos do golpe militar de 1964. À luz desses antecedentes, notícias como a de que o consulado estadunidense em São Paulo enviou um “assessor econômico” ao interior paulista para investigar a situação dos assentamentos de sem-terra constituem motivos de preocupação. Será essa a conduta correta de um diplomata estrangeiro em um país soberano?
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*Professor da Faculdade Cásper Líbero, doutorando em Ciência Política na USP e membro do conselho editorial do Brasil de Fato.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Bispo emérito de Limoeiro do Norte recusa comenda concedida pelo Senado


O bispo emérito de Limoeiro do Norte (CE), dom Manuel Edmilson da Cruz, 86, recusou a Comenda de Direitos Humanos Dom Helder Camara, entregue hoje, 21, no Senado Federal, a pessoas que se destacaram na defesa dos Direitos Humanos.
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Dom Edmilson, que teve seu nome indicado pelo senador Inácio Arruda (CE), disse que receber a Comenda seria “um desrespeito aos direitos humanos do contribuinte” por causa do aumento de 61% do salário que os parlamentares se deram na semana passada.
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“A condecoração hoje outorgada não representa a pessoa do cearense maior que foi Dom Helder Camara. Desfigura-a, porém. Sem ressentimentos e agindo por amor e por respeito a todos os Senhores e Senhoras, pelos quais oro todos os dias, só me resta uma atitude: recusá-la!”,
disse o bispo.
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Para dom Edmilson, o aumento do salário recebido pelos parlamentares deveria ser na mesma proporção do aumento do salário mínimo e do aposentado.
“O aumento a ser ajustado deveria guardar sempre a mesma proporção que o aumento do salário mínimo e da aposentadoria. Isto não acontece. O que acontece, repito, é um atentado contra os Direitos Humanos do nosso povo”.
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Além de dom Edmilson, foram condecorados
o bispo emérito de São Felix do Araguaia (MT), dom Pedro Casaldáliga;
os defensores públicos, Wagner de La Torre e Antônio Roberto Cardoso e
o deputado estadual do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo.
A escolha dos nomes foi feita pelo Conselho da Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, e pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal (CDH).

Ter, 21 de Dezembro de 2010 18:23 CNBB

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

E AGORA, BRASIL?


E AGORA, BRASIL?
Fábio Konder Comparato



A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de decidir que o Brasil descumpriu duas vezes a Convenção Americana de Direitos Humanos. Em primeiro lugar, por não haver processado e julgado os autores dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver de mais 60 pessoas, na chamada Guerrilha do Araguaia. Em segundo lugar, pelo fato de o nosso Supremo Tribunal Federal haver interpretado a lei de anistia de 1979 como tendo apagado os crimes de homicídio, tortura e estupro de oponentes políticos, a maior parte deles quando já presos pelas autoridades policiais e militares.
O Estado brasileiro foi, em conseqüência, condenado a indenizar os familiares dos mortos e desaparecidos.
Além dessa condenação jurídica explícita, porém, o acórdão da Corte Interamericana de Direitos Humanos contém uma condenação moral implícita.
Com efeito, responsáveis morais por essa condenação judicial, ignominiosa para o país, foram os grupos oligárquicos que dominam a vida nacional, notadamente os empresários que apoiaram o golpe de Estado de 1964 e financiaram a articulação do sistema repressivo durante duas décadas. Foram também eles que, controlando os grandes veículos de imprensa, rádio e televisão do país, manifestaram-se a favor da anistia aos assassinos, torturadores e estupradores do regime militar. O próprio autor destas linhas, quando ousou criticar um editorial da Folha de S.Paulo, por haver afirmado que a nossa ditadura fora uma “ditabranda”, foi impunemente qualificado de “cínico e mentiroso” pelo diretor de redação do jornal.
Mas a condenação moral do veredicto pronunciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos atingiu também, e lamentavelmente, o atual governo federal, a começar pelo seu chefe, o presidente da República.
Explico-me. A Lei Complementar nº 73, de 1993, que regulamenta a Advocacia-Geral da União, determina, em seu art. 3º, § 1º, que o Advogado-Geral da União é “submetido à direta, pessoal e imediata supervisão” do presidente da República. Pois bem, o presidente Lula deu instruções diretas, pessoais e imediatas ao então Advogado-Geral da União, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, para se pronunciar contra a demanda ajuizada pela OAB junto ao Supremo Tribunal Federal (argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 153), no sentido de interpretar a lei de anistia de 1979, como não abrangente dos crimes comuns cometidos pelos agentes públicos, policiais e militares, contra os oponentes políticos ao regime militar.
Mas a condenação moral vai ainda mais além. Ela atinge, em cheio, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República, que se pronunciaram claramente contra o sistema internacional de direitos humanos, ao qual o Brasil deve submeter-se.
E agora, Brasil?
Bem, antes de mais nada, é preciso dizer que se o nosso país não acatar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ele ficará como um Estado fora-da-lei no plano internacional.
E como acatar essa decisão condenatória?
Não basta pagar as indenizações determinadas pelo acórdão. É indispensável dar cumprimento ao art. 37, § 6º da Constituição Federal, que obriga o Estado, quando condenado a indenizar alguém por culpa de agente público, a promover de imediato uma ação regressiva contra o causador do dano. E isto, pela boa e simples razão de que toda indenização paga pelo Estado provém de recursos públicos, vale dizer, é feita com dinheiro do povo.
É preciso, também, tal como fizeram todos os países do Cone Sul da América Latina, resolver o problema da anistia mal concedida. Nesse particular, o futuro governo federal poderia utilizar-se do projeto de lei apresentado pela Deputada Luciana Genro à Câmara dos Deputados, dando à Lei nº 6.683 a interpretação que o Supremo Tribunal Federal recusou-se a dar: ou seja, excluindo da anistia os assassinos e torturadores de presos políticos. Tradicionalmente, a interpretação autêntica de uma lei é dada pelo próprio Poder Legislativo.
Mas, sobretudo, o que falta e sempre faltou neste país, é abrir de par em par, às novas gerações, as portas do nosso porão histórico, onde escondemos todos os horrores cometidos impunemente pelas nossas classes dirigentes; a começar pela escravidão, durante mais de três séculos, de milhões de africanos e afrodescendentes.
Viva o Povo Brasileiro!

Wagner Giron de la Torre - Defensor Público paulista é premiado pelo Senado Federal com a Comenda Direitos Humanos Dom Hélder Câmara



Veículo: DPE/SP
Data: 15/12/2010

O Defensor Público paulista Wagner Giron de la Torre, que atua em Taubaté, foi escolhido pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal como um dos cinco vencedores da Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara. A premiação foi anunciada na terça-feira (14/12) e é destinada a personalidades que tenham oferecido contribuições relevantes à defesa de direitos humanos no Brasil.
A indicação de Wagner Giron ocorreu em reconhecimento ao trabalho realizado como membro da Defensoria Pública de São Paulo. Dentre suas atuações, destacam-se a propositura de ações civis públicas que questionam os efeitos socioambientais derivados da monocultura de eucaliptos na região do Vale do Paraíba, além de ações coletivas em prol de famílias carentes atingidas pelas fortes chuvas do início do ano em São Luiz do Paraitinga.
Para Wagner, a Comenda mostra o reconhecimento das atividades da Defensoria Pública pelo Senado Federal. “Essa comenda empresta credibilidade em âmbito feral às ações desempenhadas pelas Defensorias Públicas em prol dos direitos humanos”, disse. Para ele, o prêmio também legitima “a luta de movimentos populares contra o monocultura de eucalipto em prol de políticas ambientais”. Além de Wagner, o Defensor Público do Pará Antônio Roberto Cardoso também foi agraciado; os outros vencedores foram Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Igreja Católica, o cearense Dom Manuel da Cruz e o Deputado Estadual Fluminense Marcelo Freixo.
A comenda será entregue no dia 21/12, durante a última sessão do Senado Federal em 2010.

Com Informações da Agência Senado (“Senado divulga nomes dos vencedores da Comenda Dom Hélder Câmara”, 14/12)
Coordenadoria de Comunicação Social e Assessoria de Imprensa
imprensa@defensoria.sp.gov.br

Considerações sobre uma bursite.

"Pra não dizer que não falei das flores" Geraldo Vandré
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Infiltração

Bursite (Vejam no Google)
O ortopedista de quadril (existem os só de joelho, de pé, de mão e os "genéricos" que nos encaminham para os "especialistas") me alertou:
- Não há garantia de cura, mas a infiltração é um paliativo para a dor. No quadril só pode ser feita no hospital com anestesia geral, pois a sra. não iria suportar a dor. O ambiente deve ser completamente asséptico e com monitoramento radiológico.
- Fico internada?
- Um dia, sai no dia seguinte. A sra. terá que fazer que fazer um jejum absoluto, nem água, nem remédio à partir das 22 horas do dia anterior. Antes terá que fazer uma entrevista com um anestesista.
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Entrevista com o anestesista
- A Sra. tem alergias?- Não que eu saiba.
- É diabética?- Não.
- Usa prótese móvel?- Não.
- Tem pressão alta?- Não.
- Toma medicação de uso contínuo?- Sim, Triseqüens.
Passei no teste.
Diferente do que tinha me dito o ortopedista, ele indicou uma analgesia e em seguida uma anestesia raquidiana.
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A infiltração
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Eu e o Ode chegamos às 8:30 no hospital, como tinha sido prescrito para a micro-cirurgia que seria às 10 horas.(Micro-cirurgia - conforme fui informada - é qualquer procedimento invasivo).
O Ode ficou 40 minutos preenchendo formulários e respondendo questionários enquanto eu esperava.
A Ana chegou, toda animada, como sempre:
- Ufa! Acertei o caminho e não levei nenhum tombo!
Fomos para uma suíte belíssima que o Ode havia reservado (lembrei das que vejo nas novelas da Globo).
Meu plano de saúde cobre.
Eu estava sonolenta depois de uma noite sem dormir por causa da dor.
Quis descansar, mas a cada 5 minutos entrava uma enfermeira e me fazia o mesmo questionário feito pelo anestesista-entrevistador: - A sra. tem alergias?...etc...
Outra enfermeira me avisou para que eu não trocasse de roupa que logo viriam me buscar de maca.
Veio um rapaz educadíssimo.
Mandou eu tirar a roupa e vestir um jaleco semi-fechado atrás, que me deixava com a bunda de fora (além de não ser bonita, minha bunda é muito fria).
Ele foi me empurrando na maca e fomos conversando até chegarmos ao ambulatório.
Eu estava calma e bem humorada:
- Vou dormir e resolver em parte a minha dor, depois das duas transferências de datas da infiltração.
Para cada enfermeira que passava por mim eu perguntava:
- Não vai me perguntar se eu tenho alergia??
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Ambulatório.
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Assepsia... Parecia uma feira livre onde circulavam médicos e enfermeiras. Os pacientes eram separados por cortinas leves e dava para ouvir todas as conversas, gemidos, fofocas, tudo, menos o que eu perguntava. Para mim a resposta era sempre:
- Não sei, estou atendendo outro paciente.
Eu só tinha visto ambiente semelhante em comédias sobre atendimento hospitalar.
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Anestesista
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Chegou o tal, um jovem bonito e simpático:
- Vou lhe dar uma analgesia leve.
- Quero entender: o ortopedista disse que seria anestesia geral, o "anestesista entrevistador" disse que seria uma analgesia seguida de uma anestesia raquidiana.
- Que absurdo!! Anestesia para uma simples infiltração! Mas não se preocupe, vou lhe aplicar uma analgesia fantástica, você não vai sentir nada. Então fez um questionário alternativo:
- Você fuma maconha?
- Cheira cocaína?
- Usa exctasy?
- É alcoólica ou usuária de outra droga?
Respondi que não e que nem tinha idade para isso.
- Quantos anos você tem? Respondi.
Ele abaixou seu rosto e disse perto do meu:
- Não conte pra ninguém.
Então fez uma pergunta completamente idiota:
- Como é que você arranjou esta bursite?
A maioria das pessoas, (imaginem um médico) sabe que existem muitas causas para que uma bursa se inflame, desde impacto, até baixa resistência física.Será que alguém "arranja" uma bursite porque quer sentir dor?
Mesmo assim respondi:
- Não sei. Já tive bursite nos dois ombros e tratei com fisioterapia, essa, acho que "arranjei" dançando pole dance em um motel.
Riu, mas se mostrou interessado:
- Existe motel em Curitiba com pista de pole dance?
- Não foi aqui.
- Ah!
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Procurou uma veia no meu braço para iniciar sua analgesia fantástica.
Não pude ver se a agulha estava presa a um soro.Senti a língua pesada e pensei feliz:
- Vou dormir, enfim.
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O ortopedista.
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Repentinamente chega um homem de luvas, touca, máscara, jaleco...brancos. Só pude ver uns olhos pequenos e escuros.
- Cheguei!!!
- Quem é você? perguntei assustada e completamente lúcida. A analgesia fora pras cucuias.
Ele baixou a máscara. Vi que era o ortopedista.
Ele me perguntou:
- O que vai ser? Desculpe, em que perna vai ser a infiltração?
- Eu disse ao doutor que a dor era na perna esquerda, mas o sr. prescreveu que seria bilateral.
Na posição em que eu estava não pude observar, que no local em que o anestesista colocara a agulha no braço, eu sangrava a ponto de encharcar parte de maca.
O ortopedista iniciou a infiltração. Ele havia me dito que sem anestesia geral a dor seria insuportável. Foi, mas suportei. Eu tentava gritar de dor o mais baixo possível. Quase enlouqueci.
Ele comentou:
- Está doendo porque encontrei o lugar. (e o tal monitoramento radiológico?)
Chega o "analgesista"
- Tudo bem?
- Tudo bem? Eu senti todas as dores.
- Você dormiu.
Percebi o ortopedista apontando com os olhos o meu pulso que continuava sangrando.
Ele sumiu.Chamei-o de volta e uma enfermeira me respondeu:
- Ele foi atender outro paciente.
Terminado o procedimento. A dor era insuportável. Ouvi do ortopedista:
- Estou lhe dando alta.
- Como, doutor? O sr. me disse que eu ficaria pelo menos uma noite e iria embora no dia seguinte.
- A sra. entendeu mal, se enganou. Eu não disse isso. Os procedimentos ambulatoriais não permitem internamento.
- Doutor, por favor! Não tenho quem me cuide, minha casa é cheia de escadas. Eu reservei uma suíte, eu pago uma diária a mais.
Ele me deu um olhar como quem dá ombros:
- Não é possível, é norma do hospital.
Quem teria criado a norma de anestesia geral, descumprida?
Afastou-se rapidamente, mesmo eu dizendo que estava também com dor de cabeça. Chegou antes de mim no quarto, onde a Ana e o Ode esperavam. Deu alta e não deixou nenhuma prescrição médica ou receita.
- Minha secretária entra em contato com vocês segunda-feira.
Era sábado, meio-dia.
Foi um fim de semana de pura e absoluta dor.
O juramento de Hipócrates é uma declaração solene tradicionalmente feita por médicos por ocasião de sua formatura.
Acredita-se que o texto é de autoria de Hipócrates ou de um de seus discípulos.
"Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça (...)"
Gostaria de saber se há parentesco grego (etimológico) entre Hipócrates e Hipocrisia??

Nédier

PS:- Talvez insensibilidade seja um termo mais adequado do que hipocrisia. A sensibilidade dos profissionais de Medicina, talvez pela própria rotina, vai se neutralizando aos poucos. Seria injusto de minha parte não mencionar que uma grande parte dos médicos que tratou e trata a mim e aos meus familiares são profissionais dedicados, competententes, não mercenários, dignos e sensíveis. Vou mencionar apenas alguns, como Gerson Gebert, Abdala Sarraf, Miguel Riscalla, Gilson Yared e Sérgio Todeschi. Eu acredito que existem milhares como eles que nos dão alguma esperança de que um dia o nosso país poderá se orgulhar da saúde de nossa população, hoje tão precária.


sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Milhares por Cancún....De Fato.

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Os movimentos sociais marcaram a agenda das negociações da conferência ao realizar uma mobilização massiva nesta terça-feira (7)

08/12/2010

Vinicius Mansur
De Cancún (México)
Texto e fotos

Os movimentos sociais marcaram a agenda das negociações da COP 16 – conferência da ONU sobre mudanças climáticas – ao realizar uma mobilização massiva nas ruas de Cancún, México, nesta terça-feira (7).
Esta foi a segunda marcha organizada pela Via Campesina durante a COP 16 para pressionar a ONU a tomar medidas mais efetivas no combate ao aquecimento global.


As organizações sociais já falam em um “Cancún-hagen”, indicando que o fracasso de Copenhagen irá se repetir no México.
Apesar do alto contingente policial, a marcha de quase 10 mil pessoas transcorreu sem enfrentamentos. Além de movimentos sociais e ativistas de todo o mundo, o ato contou com a presença do embaixador da Bolívia na ONU, Pablo Solón, e com o representante do governo do Paraguai, Miguel Lovero.
A Via Campesina também impulsiona em paralelo à COP 16 uma jornada de lutas chamada de ”Milhares por Cancún”. De acordo com a organização, já foram realizadas mais de 200 ações em 37 países em protesto às nações que se negam a assumir compromissos para redução de poluentes e, por outro lado, incentivam acordos que aumentam ainda mais a mercantilização da natureza.







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Nédier

As janelas de minha mãe

Trecho de viagem de trem para Paranaguá pela Serra do Mar


"Uma pessoa que escreve sobre a vida como quem olha por uma janela não consegue vivê-la."
(Caio Fernando Abreu )

"Olhe a paisagem, tire a cara deste livro, veja a Serra do Mar toda florida.
A vida não está nos livros.
Você é até capaz de estar lendo a descrição desta paisagem e se recusa olhá-la."
(Delmarine Machado Brusamolin, minha mãe)
Resumo de palavras que ela me disse muitas vezes querendo me ensinar a viver.
Eu devia ter aprendido mais com minha mãe porque ainda prefiro o livro à paisagem.

Sou um ser urbano que desenvolveu certa implicância com alguns ecologistas que se referem à Ecologia como uma "entidade" como se nós não fizéssemos parte dela. A ecologia é um conceito de certa forma, intuitivo. Sabemos (?!) que nenhum organismo, pode existir sem interagir com outros ou mesmo com ambiente físico no qual ele se encontra.

Minha mãe, foi uma professora primária, que alfabetizava crianças e adultos.
Lecionou 37 anos quando poderia se aposentar com o salário integral aos 25 de magistério.
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O escritor, dramaturgo e jornalista nos instigava a pular, quebrar vidros, cortar-se nos cacos. Viver.
E só então escrever sobre a vida.
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Minha mãe não instigava, rompia os obstáculos. Quebrava os frágeis vidros, sangrava, torcia o pé, sofria, mancava, mas vivia.
Nunca escreveu sobre a vida.
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As janelas de minha mãe
"Olhar a paisagem é viver, lê-la, não é."
Ela ficava me repetindo frases como esta nas viagens de trem que fazíamos para Paranaguá/PR para visitar o tio Dione e a tia Zica.

A paisagem que ia se transmudando através da janela do trem era a pura diversidade da vida. Flores, quedas d’água, grotões, túneis assustadores.
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De repente uma borboleta azul pousava em uma ramagem verde. Nem uma foto, nem um quadro impressionista podem reproduzir a vida e nos fazer sentir bem acima deste mundo pequeno e mesquinho que muitas vezes abrigamos dentro de nós.

A metamorfose vai transformar uma larva asquerosa em uma etérea borboleta.
Este contraste pode nos fazer refletir que a vida é uma transformação constante - e cabe a nós - no que queremos nos transformar (a larva, descartada para que a borboleta voe, é transformada em seda)

Escrever olhando a vida pela janela e se recusar transpô-la é se auto impor um aprisionamento. É absurdo.
Lá fora nada é estático. Mas quem se recusa a transpor sua janela é porque não quer levar sustos.
Susto não é medo.
Susto é não suportar o inesperado.
Viver é um susto.
Por esta razão é mais fácil escrever sobre a vida do que vivê-la, mas escrever sobre a vida não é viver.
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Nédier

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

- Onde andará? (texto inspirado em Caio Fernando Abreu)

James Dean sob chuva em Nova York; foto é uma das mais conhecidas de Dennis Stock
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"Onde andará? é uma das expressões mais tristes que conheço. Sinônimo de se perdeu."
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"Frase de Caio Fernando Abreu, lida no excelente "Para sempre teu, Caio F..." livro de Paula Dip, baseado na vida do escritor .
O gaúcho Caio Fernando Loureiro de Abreu (12/09/1948 - 25/02/1996) foi jornalista, dramaturgo e escritor."
Apontado como um dos expoentes de sua geração. A obra de Caio Fernando Abreu, escrita num estilo econômico e bem pessoal, fala de sexo, de medo, de morte e, principalmente, de angustiante solidão.
- Onde andará? Esta pergunta me inspirou escrever o texto abaixo.
,--,...
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Onde Andará??
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Cruzamo-nos na rua. Percebi que estava sóbrio, nos olhamos com indiferença.
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Quando eu ando pela cidade, as pessoas que passam por mim são seres assexuados e monocromáticos. São impessoas, já que existe a palavra impessoal.
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- Onde andará? Pensei ao vê-lo se afastar. Conclui, como quem conjuga um verbo composto, me perdi, se perdeu, nos perdemos...
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Depois da colisão inesperada em um cruzamento, atingidos pelos ferros quentes e retorcidos da paixão, cada um de nós seguiu seu rumo. Doidos, doídos, sangrando. Agonizantes.
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- Sobrevivemos - constatei - e nesta sobrevida continuamos carregando, inutilmente, emoções envelhecidas nos corpos envelhecentes.
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Nédier

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sede assim...

Maio de 2005. Amanhecia
Foto que tirei durante a Marcha Nacional de Goiânia até Brasília.
Andamos mais de 250 km, muita alegria e nenhum incidente
A foto é apenas ilustrativa não tem relação com o conto, a não ser a da maternidade consciente.
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"Sede assim – qualquer coisa serena, isenta, fiel. Flor que se cumpre sem pergunta."
Cecília Meireles
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.Sede assim...
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Sentada num banco da praça Osório, no colo uma sacola. O colo era para o filho e a sacola quase vazia era para ser carregada no braço. O filho ela carregara no braço até o hospital público.
Ele tinha os lábios sem cor e a respiração ofegante, ela chegou a colocar seus lábios nos dele que queimavam de febre tentando ajudá-lo respirar.

Foi atendida por uma enfermeira que, com uma inusitada piedade, tirou a criança dos seus braços e sumiu nos corredores em busca do médico de plantão. Ele chegou. Ela achou-o limpo. Bonito. Tinha uma expressão desolada.
- Onde está meu filho? - ela perguntou aflita.
- Sendo atendido. Há quanto tempo ele está assim?
- Começou hoje, ontem estava um pouco cansado e nem foi jogar bola com os amigos. Não quis jantar, fiz um mingau de aveia e lhe dei uma aspirina. Dorme comigo. Bateu-se um pouco, tirei a temperatura e vim para o ponto do ônibus correndo com dificuldade, apesar de ter apenas 4 anos, ele é pesado. Depois de duas baldeações cheguei aqui. Tão bem atendida. Depois falam mal do SUS.
- Seu nome?
- Maria.
- O do menino?
- João.
- Sente-se.
Ela se sentou obediente, estava em boas mãos.
- Nem sei como lhe dizer...
- Por favor, não diga, me devolva o menino.
- Não há mais o que fazer.
- Claro que há o que fazer. Não estou falando em enterrá-lo. Me dá o menino.

Sentada na ante sala do hospital o menino envolto em lençóis foi colocado em seus braços.
O médico afastou com um piscar de olhos a imagem da Pietá que vira no Vaticano há bem pouco tempo.
- D. Maria, acho que ele está morto.
- Não está – gritou Maria – sem nenhum respeito à autoridade médica.

Saiu pelas ruas com a criança envolta em panos. Sem ter nenhum rumo entrou na Igreja Matriz, silenciosa, quase escura.

Não sabia rezar, não sabia pedir, não sabia nem o que estava fazendo ali. Não olhava o rosto do filho, mas sentia o calor muito forte vindo de seu corpo. Não queria saber se ainda respirava. Não tinha fé, não acreditava em milagres, mas tinha uma intuição que seguia - sem se auto contestar.
Perto da porta de entrada tinha uma grande pia batismal cheia de água, possivelmente cheia de germes talvez com óvulos da dengue.
Foi até lá devagar, tirou os panos do menino e afundou-o naquela água. Fria. Sentiu que ele estremeceu. Deixou-o ali até que os olhinhos do menino se abriram. Enrolou-o de novo nos panos e voltou para o hospital.
O plantonista estava logo na entrada.
- Doutor, a febre cedeu, agora cuide dele, por favor.
- D. Maria, foi um milagre!!
- Não foi, doutor foi apenas um banho frio.
O médico colocou o menino com cuidado em uma maca e desapareceu no corredor.
Ela foi para o banco da praça. "Serena, isenta, fiel, flor que se cumpre sem pergunta".
A noite caia e ela ficaria ali para levar de volta o menino saudável para casa. Ninguém iria assaltá-la. Tinha certeza.

Nédier


domingo, 28 de novembro de 2010

Salta aos olhos

" Missão dada, missão cumprida."
(sub-título do filme "Tropa de Elite 2")

Durante décadas assistimos os governos fecharem os olhos para um problema gravíssimo que saltava aos olhos de todos.
Bastou que fosse decidido que o Brasil sediaria as próximas Olimpíadas para que fosse montada esta farsa burlesca de desalojar os traficantes e criminosos das favelas onde toda a população sabia que estavam sediados.

Os jornalistas excitados buscam imagens dantescas que talvez lhes traga o prêmio de jornalista do ano. A mídia enlouquecida parece vibrar com todos estes fatos que dão audiência, que fazem o IBOPE subir e a imprensa faturar.

Precisava uma Olímpiada para que fossem tomadas estas medidas drásticas? Precisava que a situação se tornasse drástica?
As próprias imagens que vemos, os comentários que ouvimos, a exibição da força que o Brasil possui só demonstra que sempre tivemos recursos para amenizar, em parte, pois o problema é mundial, o tráfico das drogas.
Penso que assim é mais cinematográfico, embora diferente dos filmes, pessoas são mortas. Não são figurantes e o Capitão Nascimento é apenas um personagem que no filme, por motivos políticos, foi expulso da polícia.

(No excelente filme "Tropa de Elite 2" assistimos fatos que já sabíamos, mas que nos surpreenderam por terem sido expostos em uma gigantesca tela: - o envolvimento dos políticos no tráfico de drogas. Sem comentários.)

Enquanto isso, aqui no Paraná, fatos gravíssimo envolvendo o Judiciário ficam em segundo plano diante da parafernália montada pelas Forças Armadas para invadir o Morro do Alemão.


Salta aos olhos

Publicado em 27/11/2010 Rogério Waldrigues Galindo • rgalindo@gazetadopovo.com.br
Existem ilegalidades. E existem ilegalidades que “saltam aos olhos”. De acordo com o conselheiro Walter Nunes, do Conselho Nacional de Justiça, os problemas encontrados no Tribunal de Justiça do Paraná são do segundo tipo. Foi exatamente isso que ele escreveu no seu voto apresentado em sessão nesta semana. “A ilegalidade da forma de execução do Acordo de Cooperação Técnica firmado entre o Poder Judiciário do Estado do Paraná e o Banco Itaú/Banestado S/A salta aos olhos, principalmente porque se verifica burla à exigência de licitação para contratações públicas”, diz o texto.

Conforme a Gazeta noticiou na quarta-feira, o pleno do CNJ concordou com o voto do conselheiro. Ordenou que o tribunal paranaense retire do Itaú todo o dinheiro de depósitos judiciais que mantém lá. E determinou a abertura de uma sindicância para saber quem foi culpado pela “série de irregularidades” encontradas até o momento. Mas quais são essas ilegalidades? Segundo o voto do conselheiro, agora disponível na íntegra na internet, são várias.

A principal delas é justamente o que ele chama de “burla à exigência de licitação”. Ou seja, os rendimentos do dinheiro mantido pelo TJ no Itaú eram usados para fazer compras – obras, inclusive. Não se está falando aqui de quantias pequenas. Durante um bom tempo, todos os depósitos judiciais do TJ paravam lá. Para se ter uma ideia, o contrato determinava dois tipos de rendimento para a conta. Um deles só acontecia quando o saldo médio da conta ultrapassava R$ 300 milhões.

O problema é que o TJ entendia que o rendimento desse dinheiro não precisava seguir a regra que, pela lei, vale para todo gasto público. E as compras passaram a ser feitas pelo próprio Itaú, a mando do tribunal, sem que se fizessem licitações. Em seis anos, de 2001 a 2006, segundo o CNJ, mais de R$ 39 milhões foram gastos assim.

Walter Nunes critica inclusive o que, segundo ele, seria um jeito de disfarçar que as compras eram feitas com dinheiro do tribunal. Ao invés de retirar o dinheiro e fazer a compra, o TJ enviava correspondências ao banco perguntando se seria possível o Itaú fazer tal ou qual compra. Como não se tratasse de uso do dinheiro da conta – algo que estaria mais para um suposto patrocínio.

A lista de compras é outro problema apontado por Nunes. O maior espanto do conselheiro diz respeito à contratação de uma empresa para fiscalizar a obra do Anexo do TJ. A empresa, paga sem licitação, foi a que ofereceu maior preço e era a mesma que havia sido responsável pelo projeto do prédio. A obra de R$ 48 milhões do anexo, aliás, está sendo investigada pelo mesmo Walter Nunes neste momento.

Mas a lista é bem maior. E en­­­­tram nela itens curiosos. Como, por exemplo, um lote de canecas comemorativas com o nome do presidente do TJ da época gravadas em dourado; uma série de “obras sacras, casulas, túnicas, amitos, estolas e incensário”; e duas placas de bronze, “uma do Museu da Justiça, ainda não afixada, e outra exposta no Centro de Educação Infantil Maria José Coutinho Camargo, ambas confeccionadas em homenagem à esposa do mesmo presidente acima referido”.

Detalhe: parte dos objetos comprados não foi encontrada no tribunal. O CNJ questionou e a resposta foi que houve empréstimo ou doação.

Mas Walter Nunes pergunta porque o TJ deveria comprar algo que não fosse necessário à Justiça .

Eu me pergunto se chegaremos a uma situação em que fatos externos e aleatórios façam com que a "Tropa de Elite" precise invadir o "Judiciário" para mostrar para o mundo que somos um país sério, contrariando a frase atribuida a Charles de Gaulle.

Nédier

- Dedico esta postagem ao meu amigo João Carlos Caescaes. Um homem digno.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

- O que aconteceu com Jurema? – uma homenagem à minha avó materna.

Aline de Souza Picheth, minha avó, mulher inigualável em sua época. Ficou viúva ainda jovem. Duas vezes. Criou sozinha seis filhos, apenas com o salário do magistério. Muita pobreza e um compromisso rígido com a educação. Obrigava, nós, seus netos, desde pequenos a ouvi-la ler o jornal inteiro, enquanto fumava seu palheiro (que desaconselhava). Só o estudo dignifica, era seu lema. Nunca entendi e acho que nem concordo.
Viajava para o Rio, Buenos Áries em tempos que as mulheres só saíam de casa para a missa, compras e festas de família. Teria sido uma ótima política, não perdia oportunidades e era autoritária.
Odiava o serviço doméstico, não lembro de vê-la perto do fogão, mas lembro de vê-la a tarde toda, com a maior má vontade, lavando (mal) a louça do almoço. Trabalho feito em prestações, interrompidas por um cigarrinho.
Morreu com a minha idade e cinqüenta anos de prática de magistério.
A escola estadual do bairro do Ahu onde moro em Curitiba, leva seu nome.
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- O que aconteceu com Jurema?

Abriu a porta, a soleira, uma moldura velha e descascada, parecia feita para um homem como ele. Ar cansado, rosto cheio de pó, cabelo sem corte e sem brilho, um terno grande despencando nos seus ombros.
Entrou na sala-cozinha. Uma mesa no centro, um fogão, um armário de louça, uma pequena poltrona e um rádio pousado sobre uma toalhinha bordada, em uma prateleira exclusiva para ele. As portas de entrada, do banheiro, do quarto e uma janela compunham aquele lugar descorado e poeirento.
O homem sentou numa cadeira, sem cuidado, o peso do seu corpo pareceu, por instantes, que ia desmontar a cadeira.

Sobre a mesa a carta.
Leu em voz alta.
“Raimundo, vou passar uns tempos na chácara da tia Mariquinha, não sei quando volto. Não sei se volto”.
Não tinha assinatura.

Suspirou fundo, mal teve tempo de assimilar a notícia, pancadas na porta.
- É o Juraci.
Sem mudar a expressão disse em voz alta:
- Entre!
Entra o Juraci, esfregando as mãos.
- Mundo, sou teu amigo há mais de 20 anos. A gente sempre foi sincero. Não dá mais pra agüentar.
- Se for falar da Jurema, já sei, não se preocupe, conheço a mulher. A vizinhança conhece. Sei que ela não saia do teu pé, que ia à tua casa quando eu viajava. Ela é bonitinha, não culpo você não resistir. Eu não a agüento já faz tempo. Ela facilitou. Leia a carta.
Leu.
- Pois é cara, ela queria fugir comigo, disse que tem umas economias que dava pra gente se estabelecer em outro lugar. Acabei de dizer pra ela que não sou louco, que estava me sentindo muito mal por tua causa e mandei-a se arrancar.

Pingos de água caíam sobre a mesa. O Raimundo, sem muita convicção, afastando a carta de perto da água, falou:
- Ta furado, é preciso consertar.
- Vamos sair cara, até o snooker, tomar umas. Pode ser que a gente possa conversar.
- Não tem mais o que conversar, vamos.
Saíram e apagaram a luz.

Som de passos apressados, uma mão surgiu no desvão da porta e acendeu a luz.
Morena, baixinha, de vestido justo e estampado e cabelos soltos até o ombro. Jurema. O rimel borrado e a pintura meio desfeita mostravam que ela havia chorado. Seu rosto mudou de expressão ao ver a carta sobre a mesa.
Pegou-a rapidamente e rasgou-a em picadinhos e jogou na lixeira.
- Ele ainda não chegou – falou pra si mesma, com um ar alívio. Uma alegria inesperada compôs seu rosto.

As cortinas de veludo azul desbotado se fecharam. Tambores e uma voz grave anunciaram:
- Fim do primeiro ato.


Nas molengas arquibancadas de madeira do Circo Teatro Áurea, umas vinte pessoas desacomodadas, tentavam achar um lugar sem goteiras. A chuva forte caia sobre o toldo furado e já encharcava a serragem do chão.

Minha avó de taileur preto, de cabelos presos num coque e com um pó de arroz mais claro que sua pele, tinha uma postura de realeza. Mesmo sentada naquelas tábuas velhas, com uma neta de cada lado lembrava à rainha mãe, à rainha avó. Uma rainha. Ela prometera nos levar ao circo teatro e lá estávamos. A Liane e eu. Ela nos olhou e perguntou tranqüila:
- Acho que eles vão suspender. Não sobrou mais ninguém, estão todos indo embora. Querem ficar?
Queríamos. Ficamos.

Não lembro dos dois atos que foram representados apenas para nós três.
Só lembro do som da chuva, do colorido das roupas e da maquiagem exagerada dos personagens.
A casa de minha avó ficava bem perto do circo. Quando saímos a chuva passara e brilhavam umas tímidas estrelinhas no céu.

Nédier
- Dedico esta postagem à minha querida prima Liane com quem me criei como irmã. Não conheço ninguém mais gentil, doce e educada do que ela. Amo-a e admiro-a MUITO.

domingo, 14 de novembro de 2010

Sobre a dor, em um intervalo.

Desenho feito por mim, com uma caneta esferográfica, tentando transferir a dor para o papel...
O desenho é tão feio como a dor



No meu corpo saudável a energia fluía como um rio de planície. Eu chegava a sentir o prazer das correntes levando vida à flor da pele.
Era normal ser feliz comi
go mesma, as pequenas dores eram como desvios rapidamente superados.

Então foi como se uma barreira fosse colocada no percurso e minha energia fosse estancada de forma violenta. Uma fisgada na perna, outra mais forte.
A esta energia que não consegue fluir é que chamamos dor.

A pressão da água em um cano entupido pode rebentá-lo. Penso assim sobre a minha dor: um encanamento prestes a rebentar.
O bloqueio pode ser mecânico, patológico, pode ser provocado por um ferimento, uma fratura, inflamação, distensão, por tantas grandes ou pequenas coisas.

É um aviso do corpo de que algo não está como devia estar, é uma defesa é um mecanismo de preservação da vida. É um alerta. E daí? Não podíamos receber este alerta por e-mail...?

As dores são emocionais. Não dá pra pensar direito. É difícil amar o próximo quando odiamos a nós mesmos, porque a dor e as suas conseqüentes limitações tornam o corpo um fardo indesejado e incompreendido.
A dor também pode ser produto de emoções negativas que somatizamos.
Ela é pessoal, intransferível e imesurável.
A dor que sentimos é a pior de todas, não nos alivia, nem consola saber que milhares de pessoas sofrem dores terríveis, ininterruptas, mais poderosas que todos os analgésicos do mundo.

De repente a dor dá uma trégua, não sei de felicidade maior, aquele restinho de dor que vai se esvaindo é puro prazer. Não importa que ela vá voltar, importa é sentir o corpo livre dela. A falta da dor faz valorizarmos algo nunca valorizado o suficiente. A ventura quotidiana de estarmos vivos e saudáveis. Uma ventura elementar
como disse Helena Kolody de “estar ao sol, viva e sem dor”
Nédier

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

As quatro leis da Espiritualidade na India


Na Índia se ensina as
"Quatro Leis da Espiritualidade"
.
A Primeira Lei diz:
" A pessoa que chega
é a pessoa certa ".
Significa que nada ocorre
em nossas vidas por casualidade.
Todas as pessoas que nos rodeiam,
que interagem conosco,
estão ali por uma razão,
para possamos aprender e
evoluir em cada situação.
A Segunda Lei diz:
« O que aconteceu é a única coisa
que poderia ter acontecido. »
Nada, absolutamente nada que
ocorre em nossas vidas
poderia ter sido de outra maneira.
Nem mesmo o detalhe mais insignificante!
Não existe: "se acontecesse tal coisa, talvez pudesse ter sido diferente...". Não!
O que ocorreu foi a única coisa que
poderia ter ocorrido e teve que ser assim
para que pudéssemos aprender essa lição
e então seguir adiante.
Todas e cada uma das situações que ocorrem em nossas vidas são perfeitas,
mesmo que nossa mente e nosso ego
resistam em aceitá-las.
A Terceira Lei diz:
« Qualquer momento
que algo se inicia,
é o momento certo. »
Tudo começa num momento determinado.
Nem antes, nem depois!
Quando estamos preparados para que
algo novo aconteça em nossas vidas,
então será aí que terá início!
A Quarta e
Última Lei diz:
« Quando algo
termina, termina! »
Simplesmente assim!
Se algo terminou
em nossas vidas,
é para nossa evolução!
Portanto
é melhor desapegar, erguer a cabeça e
seguir adiante, enriquecidos com mais essa experiência!

Creio que não é por acaso que você está lendo isto.
Se este texto chega até nós hoje
é porque estamos preparados
para entender que nenhum grão de areia,
em momento algum,
cai em lugar errado!!!


Viva Bem! Ama com todo o seu Ser!
E permita-se ser Imensamente Feliz!


Meus amigos,

Recebi este belíssimo texto e estas imagens fantásticas - em forma de um pps. - da Advogada Valéria da Silveira Müller, minha nora. Não resisti e quis compartilhar com vocês.

Beijo,

Nédier


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Pablo Neruda.- Canto Geral V

Pablo Neruda, nascido e falecido no Chile (Parral, 1904 - Santiago, 1973) foi uma das vozes mais altas da poesia mundial dos nossos tempos. Desde o combate direto ou desde a perseguição e o exílio valorosamente encarados, a tragetória do poeta que obteve em 1971 o Prêmio Nobel de Literatura, configura, simultaneamente com a evolução de um intelectual militante, uma das mais expressivas da lírica em língua castelhana, amparada no poder inigualável, que da indiscriminada imersão no mundo das forças telúricas originárias se expandiu na fusão com o âmbito natal americano e soube cantar o instante amoroso que contém o cosmos, o tempo obscuro da da opressão e o tempo aceso da luta. Uma visão que abarca simultaneamente a vastidão dos seres e o abismo interior da lingugem: poeta total, Neruda já pertence à tradição mais viva da nossa maior poesia,
(da contracapa do livro Canto Geral, 8 ª. Edição, 1979).
Canto Geral é a obra mais política do poeta. O Capítulo V: Areia Traida e demais poesias retratam o submundo dos traidores, ditadores e lacaios.
.

A Areia Traída

Talvez, talvez o olvido sobre a terra como uma capa
possa desenvolver o crescimento e alimentar a vida
(pode ser) como o húmus sombrio no bosque.

Talvez, talvez o homem como um ferreiro acode
à brasa, aos golpes do ferro sobre o ferro,
sem entrar nas cegas cidades do carvão.
sem fechar os olhos, precipitar-se abaixo
em fundições, águas minerais, catástrofes.
Talvez, porém meu prato é outro, meu alimento é diverso:
meus olhos não vieram para morder olvido:
meus lábios se abrem sobre todo o tempo, e todo o tempo
não só uma parte do tempo gastou as minhas mãos.
Por isso te falarei destas dores que quisera afastar,
te obrigarei a viver uma vez mais entre suas queimaduras,
não para nos determos como numa estação, ao partir,
nem tampouco para golpear com o rosto a terra .
nem para enchermos o coração de água salgada,
mas para caminhar conhecendo, para tocar a retidão
com decisões infinitamente carregadas de sentido,
para que a severidade seja uma condição da alegria, para
que assim sejamos invencíveis.

Y Love You Baby

I love you baby

Dilma é uma Ninotchka e tende a despertar pouco afeto. Mas sua dureza amolece quando a imaginamos, guria ainda, com nome falso, de aparelho em aparelho dos movimentos revolucionários. Ou sob 22 impiedosos dias de tortura

Publicado em 05/11/2010 jcfernandes@gazetadopovo.com.br

Não lembro ao certo quando entendi o que era uma guerrilheira – mas a primeira imagem que me vem à mente é a de Eva Wilma, na novela Roda de Fogo, de 1986, escorregando pela parede ao reencontrar seu torturador, vivido por Cláudio Curi, o enojante Jacinto. A cena é um clássico e deve ter sido a primeira exposição, num produto de massa, dessa figura a qual poucos tributos prestamos e que, se bobear, até chamamos de bandidas.

As guerrilheiras, aliás, custaram a dizer seus nomes, por motivos que só vim a entender anos depois, ao ler Mulheres que foram à luta armada, de Luiz Maklouf Carvalho. Aquelas que desceram aos infernos da ditadura não experimentaram apenas os kilowatts de potência da tortura, mas também o estupro – jovens, estudadas e bem-nascidas, pagavam um extra a seus algozes. Naturalmente, precisaram de muito tempo para conseguir tocar no assunto.
·
Uma das poucas notícias frescas que recebemos sobre o que aconteceu veio de forma velada, em 1989, no docudrama Que bom te ver viva, da ex-guerrilheira Lúcia Murat, estrelado por uma verborrágica Irene Ravache. Ela não conta tudo – pois não consegue –, mas dá a entender. Nossas guerrilheiras, em suma, não tiveram as glórias de Célia Sanchez – a companheira de Fidel Castro – e pagaram muito caro por suas escolhas. Não raro, as memórias do chumbo as fazem descer pelas paredes, quando não a se atirarem debaixo de trens. Pois é.

No final da década de 1990, estreou com alarde o longa-metragem O que é isso companheiro?, baseado em obra homônima de Fernando Gabeira. O livro trata do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, no Rio de Janeiro, em 1969. Gabeira, sabe-se, arquivou seu passado de guerrilha, entendendo-o como um episódio chauvinista e reacionário que só lhe serviu para puxar nove anos de cana no exílio. Preferiu o desbunde nas Dunas da Gal, em Ipanema, esse sim revolucionário, como expressou em outro livro, O crepúsculo do macho.
Gosto dos dois textos. Mas confesso que me senti desconfortável em ver os humoristas Pedro Cardoso, Luiz Fernando Gui­­­marães e Fernanda Torres encabeçando a versão em filme. Fiquei arara – os paladinos da minha infância tinham virado paspalhos ingênuos do TV Pirata. Vera Sílvia, a guerrilheira a quem Fernanda representava, se converte em uma bolchevique tapada que tomava um inocente beijo do rosto por um atentado pequeno burguês.
Por aquela época, andava pelo Brasil o escritor chileno António Skármeta, autor da obra que inspirou O carteiro e o poeta. Branquelo, gorducho e suarento, ele estrebuchou numa coletiva, perguntando como podíamos fazer troça dos jovens que deram a vida pela democracia. Até hoje não sei se essa amnésia tropical é pouco-caso ou estratégia de sobrevivência diante de nossa extensa folha corrida de censuras e ultraje de direitos.
Procuro em antropólogos e sociólogos a resposta. Enquanto não encontro, permaneço a postos com minha paixão adolescente pelas revolucionárias. Nutro saudade do que não vivi e confesso que gostaria de ter estado lá, com elas. Por isso, resisto em meu aparelho de faz de conta.
À Vera Sílvia de Fernanda Tor­­res prefiro a Heloísa de Cláudia Abreu na minissérie Anos Re­­­beldes, por quem choro a cada vez que escuto Can’t take my eyes of you (“I love you ba­­by”). Con­­tinuo achando o encontro entre Carlos Lamarca e Iara Yavelberg o nosso romance mais arretado. Turrão, tomo por heresia Ivete Sangalo cantando as guerrilheiras de “Soy loco por ti América”. Peço a Deus para não esquecer os feitos de gente como Maria Regina de Figuei­­­redo e da nossa Teresa Urban. E, juro, se um dia encontrar Eva Wilma, direi que a torturada Maura Garcez é muito melhor que suas Mulheres de areia.Quanto a Dilma – uma vez Estela, Wanda, Maria Lúcia, Marina ou Luíza, seus nomes de guerra no Polop, Colina ou VAR Palmares – entendo que a guerrilha é de longe o seu melhor. Imagino-a como um personagem de Os Carbonários, de Sirkis, um daqueles livros que amei. Relaxo.

Depois cantarolo “I love you baby” e só me resta dizer “que bom te ver viva”.