sábado, 15 de setembro de 2007

Revista Veja Edição 2026

Brasil
Os números da vergonha
Protegidos por uma sessão secreta, com o apoio do governo e o aval do PT, senadores condenama ética e absolvem Calheiros
Foto-montagem: Lula Marques-Folha Imagem
Com acordos às escondidas, ameaças, chantagens e protegido pelo anonimato, um grupo de 46 senadores desferiu na semana passada um golpe letal contra a credibilidade do Senado Federal e dos políticos em geral.
Ao absolverem o senador Renan Calheiros da acusação de quebra do decoro parlamentar, os 46 senadores (os quarenta que votaram contra a cassação e os seis que se abstiveram) autorizaram um novo padrão de conduta para os nobres do Parlamento brasileiro – o pode-tudo.
De agora em diante, estabeleceu-se o consenso entre a maioria de que não existe nada de mais no fato de um parlamentar, como Renan Calheiros, usar um lobista de empreiteira para pagar suas despesas pessoais.
Não é da conta de ninguém tentar saber de que forma um senador, como Renan Calheiros, conseguiu fazer fortuna na política.
Está liberado de possíveis constrangimentos qualquer um que, como Renan Calheiros, queira fazer negócios usando malas de dinheiro de origem desconhecida.
Ficam autorizados a apresentação de notas frias, o uso de bois-fantasma, a invenção de empréstimos para, assim como Renan Calheiros, tentar justificar contas que não fecham.
Na sessão secreta que absolveu Renan Calheiros, além de massacrarem a ética, os 46 senadores também viraram as costas para a sociedade, envergonharam o Parlamento e reduziram o Senado ao mesmo patamar moral do presidente Renan Calheiros.

"A era dos grandes tribunos, referências éticas do Parlamento, que dividiam o Senado com a massa ignara, acabou há tempos", diz Octaciano Nogueira, professor de ciência política da Universidade de Brasília.
"Hoje, resta-nos somente a massa ignara."

De fato, nos últimos meses, principalmente depois da crise gerada pelas acusações contra o presidente Renan Calheiros, personagens bizarros, como os senadores Wellington Salgado, Almeida Lima e Sibá Machado, assumiram posições de destaque no palco dos debates.

São figuras sem propostas, sem idéias e até sem votos.

O peemedebista Wellington Salgado e o petista Sibá Machado são suplentes que assumiram o mandato na ausência dos titulares.
Como eles, há outros onze reservas que não devem explicações a ninguém e acabam muitas vezes se prestando ao papel de vassalos de interesses diversos.
Esses personagens descompromissados ajudaram Renan Calheiros a escapar da cassação, alguns apenas em troca de pequenos favores.
Mas eles não estavam sós.
Na surdina, o governo e o PT se associaram a Renan para costurar um acordo que garantiu a salvação do mandato do senador – desta vez à custa de grandes e dispendiosos favores, com ingredientes de chantagem e ameaça e com a participação de personagens conhecidos pela atuação heterodoxa no submundo da política.

MERCADANTE
O senador eleito com 10 milhões de votos foi reduzido a tarefeiro do partido na batalha contra a moralidade. Uma pena.

A VERSÃO

O senador petista garantiu que não pediu votos para Renan Calheiros nem participou de nenhum acordo para absolver o colega peemedebista.

O FATO

Além de se abster da votação, o que ajudou a salvar Renan, o senador fez campanha intensa pela absolvição, inclusive garantindo a aliados que Renan deixaria a presidência.


De volta a Brasília, José Sarney e Walfrido decidiram pela tacada final. Ainda do avião, um Legacy da FAB, Walfrido conversou com o senador Aloizio Mercadante e Sarney passou o recado às lideranças no Congresso.
Alertaram sobre o placar apertado e combinaram de procurar Renan com a seguinte proposta: caso ele sinalizasse que se afastaria temporariamente do cargo após a votação, o governo e o PT trabalhariam no plenário para absolvê-lo.
Já era madrugada de quarta, dia da votação, quando o grupo desembarcou na base aérea.
Sarney levou a proposta de afastamento ao presidente do Congresso, que, de início, hesitou, mas acabou aceitando depois de receber a garantia de que não haveria traição entre os petistas.
Ficou combinado que os senadores petistas iriam se abster, uma forma de identificar o voto.
Nas contas dos aliados, era preciso convencer ao menos dez senadores a fechar com a absolvição.
No plenário, coube ao senador Mercadante difundir a versão de que a cassação de Calheiros se resumia a uma disputa política que só interessava à oposição.
Os petistas, porém, não precisam mais de justificativa alguma.
"Com discursos assim vocês da oposição nunca vão ganhar da gente", ironizava o senador petista João Pedro, criticando abertamente os que defendiam a cassação. Uma semana antes, o próprio João Pedro havia votado contra Renan Calheiros no Conselho de Ética.

Com os petistas no bolso, bastaram algumas operações laterais para sacramentar a vitória de Calheiros.
Sabe-se que Renan e seus aliados conseguiram buscar votos na oposição, à custa de chantagem, cobrança ou promessas de favores.
Senadores que se diziam indecisos em público fizeram pacto de sangue com Renan no privado.
O tucano Papaléo Paes, por exemplo, chegou a dar entrevistas a favor da cassação. No plenário, ajudou Roseana Sarney a contabilizar votos a favor de Renan.
Houve traições mais sórdidas.
Um senador da oposição, que zelou como se fosse um xerife pela aprovação do processo de cassação, procurou o presidente do Congresso e lhe confidenciou que sua posição não passava de um teatro para seus eleitores.
Ele estava agradecido pelo belo emprego no governo que Renan arrumou para um de seus filhos.
Enquanto isso, em outro flanco, Gilberto Miranda, o empresário rico e recém-casado, pegou um jato para Brasília e continuou as conversas com os senadores.
No plenário, o peemedebista Wellington Salgado avisava: "Tá rolando grana, tá rolando muito argumento".
Um senador que ouviu o comentário ainda perguntou do que se tratava. Salgado repetiu: "Tá rolando argumento", explicou, esfregando o polegar no dedo indicador, sinal clássico que significa dinheiro.
Absolvido, Renan, conforme o combinado, pegou a família e foi descansar em Maceió. Ele ainda terá de responder a outros três processos. O governo, satisfeito, comemorou discretamente.
Os petistas, covardes, foram vistos se jactando no fundo do plenário logo depois da sessão.
José Sarney embarcou para Natal, onde foi lançar um livro.
Gilberto Miranda, com a missão cumprida, retomou sua lua-de-mel.
E o Senado...
E a opinião pública...
E o Conselho de Ética.
...Que se danem.
O que interessa são os "argumentos...".

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