domingo, 20 de dezembro de 2009

EXTRADIÇÃO INCONSTITUCIONAL - Dalmo Dallari

Um grupo de deputados e senadores visitou nesta terça (17) na prisão, em Brasília, o ex-ativista italiano Cesare Battisti. Entre os parlamentares estavam os senadores José Nery (PSOL-PA) e Eduardo Suplicy (PT-SP) e os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Ivan Valente (PSOL-SP). O Supremo retoma nesta quarta o julgamento de extradição do italiano. Battisti foi condenado na Itália por quatro assassinatos ocorridos na década de 70. Ele sempre negou envolvimento com os crimes. (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
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EXTRADIÇÃO INCONSTITUCIONAL
Publicado em 19 de dezembro de 2009

Dalmo Dallari*,
no Jornal do Brasil
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RIO - No Estado democrático de direito, como é o Brasil, a Constituição é o conjunto normativo superior, que rege todos os atos jurídicos que forem praticados por qualquer autoridade ou qualquer órgão público brasileiro. Isso tem aplicação tanto para atos que sejam praticados e produzam efeitos no âmbito nacional, quanto os atos de qualquer natureza praticados num foro internacional ou para produzirem efeitos além das fronteiras nacionais.

A Constituição brasileira é superior aos acordos e tratados que forem celebrados por qualquer membro do governo brasileiro, pois nenhuma autoridade pode celebrar validamente um acordo ou assinar um tratado que seja contrário a alguma disposição da Constituição brasileira.

É oportuno lembrar e ressaltar a superioridade da Constituição brasileira, neste momento em que membros do governo italiano e alguns brasileiros a eles submissos pretendem que ao decidir sobre o pedido de extradição do italiano Cesare Battisti o tratado de extradição assinado pelos governos do Brasil e da Itália prevaleça sobre a Constituição brasileira.

Essa tentativa de fazer prevalecer a vontade do governo italiano sobre a vontade do povo brasileiro, consagrada na Constituição, já foi externada e repelida várias vezes e agora tomou novo alento porque o ministro Eros Grau, dando maior precisão ao voto proferido no julgamento do pedido de extradição de Battisti, esclareceu o que quis dizer quando falou em decisão discricionária do presidente.

Externando o que, para as pessoas bem informadas e de boa-fé, era óbvio, disse agora o eminente ministro que jamais teve a intenção de afirmar que o presidente da República poderá decidir arbitrariamente, mas deverá fundar-se na Constituição.
Assim, pois, o ministro Eros Grau não modificou o seu voto, mas apenas explicitou o óbvio: na decisão sobre o pedido de extradição, que é de sua competência privativa, como diz a Constituição e foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal, o presidente da República deverá ter em conta o que determina a Constituição brasileira.

O exame de todos os elementos jurídicos envolvidos nas circunstâncias de fato e nos processos judiciais relativos ao caso Battisti e ao pedido de sua extradição leva necessariamente à conclusão de que o pedido de extradição não poderá ser atendido pelo governo brasileiro, devendo, portanto, ser recusado pelo presidente da República, pela existência de claros obstáculos constitucionais ao atendimento do pedido.

Com efeito, está expresso nos autos do processo em que Cesare Battisti foi condenado na Itália que ele foi acusado de ter praticado atos que configuram, ao mesmo tempo, “homicídio e subversão”. Não se diz, no processo, que esses crimes foram praticados autonomamente, mas, ao contrário disso, afirma-se que os mesmos atos configuraram os dois crimes.

Ora, se os atos foram praticados na Itália e as autoridades italianas os qualificaram como crime político, a eventual opinião divergente dos tribunais brasileiros não tem força jurídica para modificar a qualificação dada pela Justiça italiana.

Deixando de lado, neste momento, o fato de que jamais se comprovou que Battisti tenha, efetivamente, cometido qualquer homicídio e que a acusação baseou-se exclusivamente numa delação premiada, o dado essencial é que as próprias autoridades italianas afirmam o caráter político das ações de que Battisti foi acusado, pois subversão é crime político, na Itália e no Brasil.

Ora, a Constituição brasileira diz expressamente, no artigo 5º, inciso LII, que “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”. Só isso já torna inconstitucional a extradição de Cesare Battisti. Outro obstáculo constitucional intransponível é o fato de que a Constituição brasileira, pelo mesmo artigo 5º, no inciso XLVII, dispõe que “não haverá pena de caráter perpétuo”. Ora, o tribunal italiano que julgou Battisti condenou-o à pena de prisão perpétua.
Essa decisão transitou em julgado, e o governo italiano não tem competência jurídica para alterá-la, para impor uma pena mais branda, como vem sendo sugerido por membros daquele governo. A Constituição da Itália consagra a separação dos Poderes e assim como o presidente da República do Brasil está obrigado a obedecer a Constituição brasileira o mesmo se aplica ao governo da Itália, em relação à Constituição italiana.

Em conclusão, no desempenho de sua atribuição constitucional privativa o presidente Lula deverá decidir sobre o pedido de extradição de Cesare Battisti. E respeitando as disposições da Constituição brasileira, como é seu dever, deverá negar o atendimento do pedido, pela existência de impedimento constitucional.

*Dalmo Dallari é professor e jurista.