terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Para Ana, minha filha.

“Enquanto dormimos, a dor não se dissipa, cai gota a gota sobre nosso coração, até que no meio do nosso desespero e contra a nossa vontade, apenas pela graça divina vem à sabedoria”
Ésquilo, escrito há 500 anos.
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Ele escreveu sobre o perdão. É a melhor terapia com a qual podemos nos ajudar.
Ele escreveu que o perdão vem contra a nossa vontade, eu discordo.

Podemos exercitar a nossa vontade e por mais impossível que às vezes pareça, ela nos faz perdoar: quem nos feriu, o que quase destruiu as nossas vidas, o que parecia imperdoável.
Lembro-me quando mais jovem, curtia a raiva e não conseguia perdoar e hoje vejo que era apenas eu que sofria e fazia sofrer quem não tinha culpa pelo que ocorrera.
Quando, aos poucos aprendi a perdoar, uma grande paz desceu sobre mim.
Costumo dizer que “enterro vivas” as pessoas que não me fazem bem.

Esqueço-as de forma definitiva, não só elas não podem me atingir – eu tirei delas este poder – como adquiri o poder de nem lembrar que existiram em minha vida. Se por acaso cruzar com um destes mortos-vivos não os vejo, e quando vejo não os reconheço. Não desejo o mal porque desejar o mal me faz mal. Instintivamente não permito que eles abalem a estrutura que construí com tanto trabalho para me proteger do que é ruim, inútil e desnecessário.

Já me auto-agredi muito por causa de causas que eu não tinha provocado.

- Que grande idiotice!

Perdoar é um bálsamo para as feridas que, muitas vezes, cultivamos em nossa alma, sem saber.

Filha, vamos aproveitar esta época que se convencionou festiva para em primeiro lugar perdoar e nos perdoar, não ter vergonha dos atos vergonhosos que fizemos.

- Quem não fez?


Temos que perdoar quem nos magoou tanto, há tanto tempo, sem noção do que fazia e depois enterrá-lo vivo como se nunca tivessem participado de nossa existência, porque enquanto houver mágoa, ódio, eles estarão ali presentes até como fantasmas saindo do túmulo que os colocamos.

Eu te amo tanto.

Dói tanto não saber você feliz, tanto quanto me faz feliz ouvir tua gargalhada gostosa, tua espirituosidade, teu senso de humor inacreditável.

Quando você irrompe a nossa casa é como se fosse luz, iluminando a todos.

Quando grita é com um trovão repentino, faz tremer as estruturas da casa tão bem projetadas por teu pai. E grita por nada: ou é a filha que desobedeceu, ou uma barata, qualquer coisa e já passa, nos deixando, ainda trêmulos.

Você não é uma mulher de meio termo, como sempre tentei ser, não consegui e mesmo assustada, admiro a tua potência vocal.

Estamos vivendo um problema sério.

- Dá para admitir?

Para cada problema há uma solução e lá no fundo do peito nós a conhecemos. O que falta muitas vezes é vontade de solucionar.

Você sabe que tem em mim não só a mãe que te ama, mas uma cúmplice, alguém que estará ao seu lado “haja o que houver, custe o que custar”..

Como sempre brincamos se um dia (que não vai acontecer) você me disser:
- Mãe, matei uma pessoa.
Eu vou sempre responder: - Onde vamos esconder o corpo?...rs...

O que nos une é mais forte que a Justiça dos homens.
Amo você, mas vou fazer uma chantagem: Só você pode salvar o meu Natal.
mãe