terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Ladislau, o dom





"O sorriso, o olhar e o gesto




foram-se para alimentar as rosas.


Jucundo é o lírio




Cheirosa é a rosa


Bem sei mas protesto.


Mais preciosa era a luz dos teus olhos


do que todas as rosas do mundo



Dentro lá dentro no fundo



Das trevas da morte



Vão ter o bom, o bonito e o forte



no silêncio do nada



eu sei, mas não aprovo


e não estou resignada"
..


De repente senti um buraco se abrindo em meu peito, um vazio, uma dor escura e fria. Choro e não consigo escrever sobre este Dom.


O dom da generosidade, do desapego, da ilimitada bondade, cada vez mais incomum entre os homens.
Aceitamos o mesquinho, o possessivo, o materialista, o que defende os interesses pessoais.


Os que têm inveja, ciúmes infundados, os que fingem amar para tirar benefícios.


Convivemos com estas pessoas e até as achamos normais.


Na televisão ligada no jornal da manhã a violência explode com uma força inaceitável. E aceitamos. Nos acostumamos com as manchetes, com a mídia explorando crimes passionais, requintados, com detalhes sórdidos. Assassinatos, estupros, latrocínios...


Nossa sensibilidade construiu trincheiras para se proteger. Nossos sentimentos acabaram criando uma casca grossa.
É por isso que eu choro inconformada. É porque abri o jornal e me senti muito pobre e sozinha. Lá estava a foto de Dom Ladislau Biernaski, bispo de São José dos Pinhais, descrito apenas como " o bispo da reforma agrária" e a notícia de sua morte.


Não vou mais vê-lo, não vou mais sentir a bondade concreta irradiada de seu corpo, do seu sorriso.


Onde mais encontrarei aquela simplicidade magistral?


Nunca mais vou vê-lo chegar com seu velho carro, suas roupas surradas, pois Dom Ladislau deixou de existir, porque ele nos deixou .


São raras as pessoas que, como ele, se dedicaram a amar o próximo. Dom Ladislau dedicou seus dias para que seu próximo tivesse um pouco mais de conforto e de justiça.


A simples lembrança de seu sorriso terno foi sempre um bálsamo para minha vida.


Dom Ladislau não era meu amigo, era o Amigo de todos nós. Trocamos poucas palavras em nossos muitos encontros, em nossos muitos nossos desencontros com a sociedade estabelecida e impiedosa. Mas, para mim importava que ele estava lá, ao alcance dos meus olhos. Sua presença me dava confiança num mundo melhor, num futuro melhor. Se existia alguém como ele, nem tudo estava perdido. Choro porque não consigo me conformar e nem traduzir em palavras o dom divino do bispo Ladislau.


- Uma noite eu estava na Catedral de São José dos Pinhais esperando começar mais uma homenagem aos Mártires da Terra para fotografar a cerimônia. Eu usava uma pescoceira branca para proteger as vértebras doloridas do meu pescoço por causa de um tombo. Dom Ladislau andava apressado pelo altar acertando os últimos detalhes. Ele tinha me visto mancando num último encontro porque eu tivera uma ruptura de ligamentos no meu joelho e perguntou:


- O que foi agora?


Eu respondi sorrindo, usando uma expressão costumeira:


- Não foi nada, eu ando precisando me benzer.


Ele parou o que estava fazendo e me disse:


- Fique aqui, já volto. Entrou na sacristia e voltou com uns paramentos no braços, água benta e nem lembro mais o quê. Pediu que eu me ajoelhasse num degrau no canto do altar e cerimoniosamente me abençoou.


Eu sou uma mulher abençoada!!


Nédier


- Eu tenho em meu arquivo pessoal dezenas de fotos de Dom Ladislau, não tive condições emocionais de procurá-las. Acabei utilizando uma foto do arquivo da Arquidiocese


-A poesia que conheci e acabei decorando na época da faculdade deve ser ou da poeta americana Edna St. Vicent Millay ou de Sara Teasdale. Não tenho certeza se a tradução está correta. Ela surgiu surpreendentemente de minha memória afetiva e traduz minha inconformação.


,,,,,,,,,,,,,,,,,,





.................................................................................................................