Combustível verde manchado
Ontem, Lourenço Paulino de Souza foi encontrado morto. Segundo informações do Ministério Público do Trabalho, Souza estava caído ao lado do ônibus que transportava cortadores de cana. Eles estavam em uma usina de álcool em Barretos, São Paulo. Sua morte é a segunda no ano entre os cortadores de cana-de-açúcar. A causa dessas mortes é a exaustão, que acontece após o cortador não suportar o ritmo quase escravo das lavouras e morrer de tanto trabalhar. Lourenço tinha 20 anos e era migrante da pequena cidade de Axixá, no Tocantins. Um lugar onde a falta de perspectivas de trabalho empurra os jovens para a incerteza das lavouras de cana-de-açúcar de São Paulo. Muitos desses voltam com bens de consumo que nunca poderiam ter adquirido em Axixá, como televisão, rádios e colchões. Mas alguns não suportam e morrem de exaustão. Talvez sonhando com um colchão novo ou uma televisão de 29 polegadas. Parece absurdo, mas a morte por excesso de trabalho entre os cortadores de cana é mais comum do que podemos imaginar. Foram 19 trabalhadores mortos nos últimos dois anos. Algo como 10 mortes por ano, ou seis por mês durante o período da colheita. Todas essas pessoas que morreram de tanto trabalhar colhiam cana-de-açúcar. A matéria prima do etanol. Uma das esperanças para controlar o problema do aquecimento global. Mas, enquanto governos mundiais se empolgam com a possível substituição do petróleo pelo etanol. E a frota mundial de 1 bilhão de carros cresce todos os dias. Muitos Lourenço perdem a juventude cortando cana-de-açúcar. Sem perspectivas de romper com a linha da pobreza ou de sequer sentar em um banco de faculdade. Quando não morrem de tanto trabalhar, claro. E apesar de toda empolgação dos governos mundiais sobre o etanol, poucos têm aceitado discutir forma de mudar as condições de semi-escarvidão que estão sujeitos grande parte dos trabalhadores da colheita da cana. (Juliana Arini)
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Cortadores de cana em SP têm vida útil menor que a de escravos
SÃO PAULO - O aumento de importância do álcool na economia brasileira é citado pelo jornal A Folha de São Paulo como um dos causadores da rotina extenuante dos cortadores de cana, que, por causa do extremo esforço físico, já têm a vida útil menor do que a de alguns escravos no século 19.Segundo a reportagem publicada na edição deste domingo, 19 mortes já ocorreram entre cortadores de cana desde 2004. Ainda segundo o jornal, algumas empresas obrigam os trabalhadores a colher até 15 toneladas de cana por dia. Esse esforço pode causar "problemas seríssimos de coluna, nos pés, câimbras e tendinites" e diminui o tempo de vida útil dos cortadores para cerca de 12 anos. Um historiador ouvido pelo jornal afirmou que até 1850, quando o tráfico de escravos era livre e a oferta de mão-de-obra negra era abundante, a vida útil desses trabalhadores era de 10 a 12 anos. A partir da proibição começou um melhor tratamento aos escravos, que conseguiam trabalhar por 15 a 20 anos.
Folha de São Paulo. 29/04 - 06:23 - Redação