sexta-feira, 6 de abril de 2007

Os meus Brusamolin - II

Os Meus Brusamolin
Nos domingos quando o jogo de futebol do Operário Sport Club do Ahu era “em casa”, eu ia junto com o meu pai, apressando os passos para acompanhá-lo.
Eu era mais baixa do que a cerca de madeira em volta do campo e assistia ao jogo em cima de dois tijolos empilhados.
Um olho no campo, onde meus heróis de camisas auri-negras corriam e outro no bar esperando a briga, que, sem nenhuma dúvida, começaria a qualquer instante. Eu corria puxar meu pai para longe dos irmãos, mas era impossível.

A briga podia também começar dentro do campo por causa de jogadas desleais ou simplesmente porque nosso time estava perdendo ou ainda porque o empate era injusto e o juiz, com certeza, estava roubando para o time adversário!
Em perfeita sintonia, como num acordo tácito, no mesmo instante que os jogadores iniciavam o costumeiro "quebra-pau", os torcedores solidários começavam a se esmurrar em volta da barraquinha do bar. Garrafas quebradas no balcão eram as principais armas. Eu tinha muito medo, mas entrava no meio da confusão para tentar tirar meu pai.

Quando o jogo era no campo adversário, íamos em cima da carroceria de um velho caminhão pelas estradas de terra, entusiasmados e preparados para a "guerra".



O campo de futebol anterior ao das cercas de madeira era rodeado de árvores e tinha uma arquibancada natural feita pelo declive do terreno gramado. Durante alguns dias da semana os nossos jogadores - pedreiros, carpinteiros, operários de fábricas - depois do trabalho, treinavam ali. No sábado, depois do treino, eles se reuniam no botequim do meu pai para beber e, muitas vezes, brigar entre eles mesmos.
Eu ficava olhando por trás da porta da sala que dava para o bar e à medida que as vozes se alteravam eu sempre sabia que alguém ia ser jogado para o meio da rua. Eu rezava para que não se matassem. Acendia a vela de minha primeira comunhão (que durou bem pouco) ou então queimava as palmas que eram bentas no Dia de Ramos.




Neste campo, rodeado de árvores, eram feitos festivais durante as partidas de futebol com barraquinhas e sorteios.
A música tocada em um gramofone manual era dedicada às jovens de vestido amarelo, vermelho, de tranças louras ou de cabelos pretos... todas facilmente identificáveis e ruborizadas.




Num inesquecível festival, eu, pequena a ponto de não entender o porquê das moças andarem aos risinhos em torno do campo, estava ao lado da barraca da Roda da Fortuna esperando que sorteassem um belíssimo frango assado... quando começou “A Briga’”.



Foi uma das brigas mais famosas! Ninguém reparou na garotinha de cinco anos que tudo assistia, imobilizada e muda, mas ela consegue manter, até hoje, todas as imagens nítidas dentro de mim. As cenas se desenrolam em câmara lenta na minha memória : uma navalha brilhava no ar nas mãos de um estranho e, de repente, traçou um risco vermelho na camisa branca do meu tio Ricardo que fugia pelo campo numa corrida inglória.
Mais tarde, me vejo entre os meus tios, na casa dos meus avós.
Enquanto eles juravam vingança, as mulheres faziam curativo num corte grande, mas pouco profundo que refulgia nas costas de meu tio Ricardo, que era muito magro e estava branco de susto.

Nédier