Hoje encontrei um e-mail que a minha filha Ana Paula escreveu para os seus amigos quando voltei da Marcha Nacional que fiz, à pé, junto com o MST, de Goiânia até Brasília. Foram, com certeza, os 17 dias mais felizes de minha vida.
A descrição da Ana está muito engraçada, minha filha tem um senso de humor incrível, mas apesar da graça, fiquei um pouco triste, me bateu uma saudade sem tamanho daqueles dias.
Espero encontrar todo mundo de novo, num novo acampamento, no Encontro Nacional que vai ser em julho em Brasília.
Nédier
Bom dia Pessoas, Foi a visão do inferno, sem exageros.
Ontem minha mãe peregrina chegou de viagem. Pensei que sabia de cada quilômetro percorrido (via Embratel), mas os detalhes visuais foram muito mal descritos por ela. As confissões de sujeira, de que a roupa havia se tornado algo irrecuperável foi muito, muito suave. A verdade foi mais cruel e chocante.
Saí do trabalho e fui correndo à casa de mamãe, mais ou menos ao som de Lulu Santos no tal “Estou voltando pra casa”. Como tenho o controle remoto do portão e cópia da chave (a mãe tem o péssimo hábito de não nos abrir a porta), fui entrando e encontrei aquela senhora brasileira deitada no lugar da minha mãe, naquele respeitado sofá da sala (ouse sentar no seu lugar, ouse!).
Enfim o choque: aquela mulher de cabelos de samambaia, detidos em um rabo de cavalo, queimada (bronzeado é chique), com uns trapos medonhos cobrindo o corpo, sorriu para mim. Era mamãe, D. Nédier...
Não deu para disfarçar. A chamei de “colorida” (com um L só, de cores mesmo). O cabelo em vários tons, a cútis também, os trapos em tons cinza e bege, a manta azul e vermelha. Comecei o inquérito, a cada descrição da sua rotina durante a Marcha eu ia agradecendo não ser pobre...
O início: desjejum de rapadura e pão com mortadela... Minha mãe diz mortandela!
Daí em diante a tortura continua: defecar perto de outras pessoas (no meio da rodovia, por exemplo), dormir SEMPRE com alguma pedra em baixo do colchonete, urinar num potinho de lenços higiênicos.
HIGIENE... Este capítulo é longo, porém semi-inexistente. Ela jura na cara dura que se lavava diariamente. Vi seu sabonete. Um compacto de plantas da região (tinha mais mato e barro grudados que não se imagina a cor que ele saiu da fábrica). Foi dando um nojo, um nojo!!!
Chegando à roupa não contive o escândalo. Emprestei (eternamente) algumas pecinhas para ela levar em sua jornada... Foram limpas e cheirosas. Retornaram completamente irrecuperáveis. O branco se converteu na gama completa de tons de bege (parecia mostruário da Avon para tons de base). Um fedor imundo tomou conta da imensa casa onde moram meus pais. A cada peça que ela retirava da mochila eu não conseguia acreditar que conseguia superar a anterior em imundice. (O tênis Nike que lhe presenteei em seu aniversário estava pior que o de qualquer carregador de carrinho de papelão...).
Corri juntar as suas coisas que foram brancas e lançar na máquina de lavar roupas. Coloquei água e comecei a rir... Parecia que tínhamos cozinhado carne naquele caldo, com direito a shoyu e tudo...
Neste ínterim ela começou a se queixar de dor no braço. Tentei providenciar uma pedra para que fosse estrategicamente colocada em seu sofá (puxa, ela estava estranhando o local fofo). Continuou se queixando apenas do mau trato que tiveram em Brasília (aquela muvuca que apareceu em rede nacional, dos policiais atacando o MST).
Ela jura que só por isso a viagem não foi perfeita.
Um grande beijo...
Ana Paula, a filha da porca