segunda-feira, 16 de abril de 2007

Elogios a generais e torturadores...

Novembro de 1969: o delegado Fleury visita colega ferido
por fogo-amigo no cerco a Marighella


O então ministro da Guerra, Arthur da Costa e Silva, em 1966,
pouco antes de assumir a Presidência da República
Arquivo/O Cruzeiro/EM


Elogios a generais e torturadores...


Dois dos mais célebres torturadores que reinaram nos porões da ditadura militar (1964-85) — Sérgio Paranhos Fleury e Octávio Gonçalves Moreira Júnior — receberam tratamento de herói no livro secreto do Exército. Ambos são chamados de “doutores”. Ao referir-se a Fleury, delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo, o livro afirma que ele era um “incansável lutador contra o terrorismo no Brasil”. Na década de 1960, ele se destacou como um dos líderes do Esquadrão da Morte no estado. Por sua capacidade de investigação e aplicação de métodos brutais de tortura, que incluíam pau-de-arara, choques e afogamento, Fleury foi requisitado para trabalhar no Destacamento de Operações de Informações (DOI), órgão criado no governo do general Emílio Garrastazu Médici cuja missão era investigar e aniquilar os grupos de oposição ao regime, sobretudo aqueles envolvidos com a luta armada. Durante mais de uma década, o delegado se tornou um dos símbolos da repressão, sendo protegido pelo serviço secreto da Marinha, o Cenimar. Colega de Fleury no Dops e um torturador temido nos porões da repressão, o delegado Octávio Gonçalves Moreira Júnior, conhecido como Otavinho, foi tratado como mártir no livro secreto do Exército. Numa tarde de fevereiro de 1973, quando voltava da praia, no Rio, Otavinho foi fuzilado por guerrilheiros da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), Aliança Libertadora Nacional (ALN) e Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Depois de descrever o episódio, o livro secreto se derrama em elogios ao delegado. “Na luta contra a subversão comunista, Otavinho havia demonstrado sua inabalável profissão de fé no regime de liberdade. Além disso, pela sua educação e afabilidade, (…) era muito estimado nos órgãos de segurança, constituindo-se, por tudo isso, num alvo compensador para o terror.” Ditadores O livro também não poupa elogios aos generais Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici. Pela dureza no combate aos opositores do regime militar, o período em que ambos estiveram à frente da Presidência da Republica (1967-74) é conhecido como “os anos de chumbo”. A posse de Costa e Silva é descrita no livro do Exército como um “reencontro (do país) com a ordem constitucional e o estado de direito”. Com seu “tom franco”, sua “mensagem de renovação” e a “clareza com que encarnava a realidade vivida pelo país”, o general “abriu esperanças” no Brasil, afirma a obra. “Iniciava-se a volta à normalidade”, diz o livro. Um mês depois de empossado, Costa e Silva criou o Centro de Informações do Exército, o serviço secreto da Força. Na ditadura, o CIE se destacou como vanguarda da repressão. Em 1986, um ano depois do término do regime militar, o órgão foi incumbido pelo então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, de tocar o Projeto Orvil (orvil é a palavra livro ao contrário), que produziu o Livro negro do terrorismo no Brasil. Ao narrar os seqüestros de diplomatas estrangeiros na década de 1970 e a decisão do governo Médici de aceitar trocá-los por presos políticos, conforme exigiam os seqüestradores, o livro afirma que a postura do general representa o “respeito aos direitos humanos sem aspas”, que “se ajustava aos sentimentos humanitários da população”. Especialista em questões militares, o cientista político Jorge Zaverucha, da Universidade Federal de Pernambuco, contesta a afirmação. “O livro não traz evidências sobre esta afirmação (‘respeito aos direitos humanos, sem aspas’). O que havia eram violações aos direitos humanos.” (LF)

segue.