sexta-feira, 20 de abril de 2007

...eram crianças e comiam luz/para o Beto






















Brejo da Cruz



A novidade
Que tem no Brejo da Cruz
É a criançada
Se alimentar de luz


Alucinados
Meninos ficando azuis
E desencarnando
Lá no Brejo da Cruz


Eletrizados
Cruzam os céus do Brasil
Na rodoviária
Assumem formas mil

Uns vendem fumo
Tem uns que viram Jesus
Muito sanfoneiro
Cego tocando blues

Uns têm saudade
E dançam maracatus
Uns atiram pedra
Outros passeiam nus


Mas há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem


São jardineiros
Guardas noturnos,casais
São passageiros
Bombeiros e babás

Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz


São faxineiros
Balançam nas construções
São bilheteiras
Baleiros e garçons

Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz

(Chico Buarque/1984)


Hoje, andando pelas ruas desta minha triste Curitiba - mistificada e maquiada pela mídia como cidade do Primeiro Mundo - vi – e esta cena é habitual - crianças sentadas no meio-fio cheirando cola com a mesma naturalidade que eu, quando criança, saboreava um sorvete.
Não sei o que escrever sobre esta realidade.
O meu querido amigo Professor José Alberto Costa escreve sobre as crianças de rua de Recife com uma ternura ímpar.


("...uns têm saudade e dançam maracatus" - me faz lembrar o Beto).

Vou pedir a ele a permissão para colocar aqui neste blog alguns dos seus textos. E, enquanto me faltam palavras para me expressar sobre esta infância que escoa pelo ralo, uso as palavras do Chico Buarque em “Brejo da Cruz” - "lá , onde a novidade é a criançada se alimentar de luz”.
Nédier