quinta-feira, 26 de abril de 2007

O dia do Fico

Foto de Sebastião Salgado

O Dia do Fico
1963.
Grupo Escolar Aline Picheth. 4ª. série primária. Aula de História do Brasil. O cheiro de suor de 42 adolescentes pós-recreio inundava a sala de aula.
Eu era professora primária, fazia Direito na Federal e estava noiva de um estudante de engenharia.
Meu pai se opusera na ocasião do vestibular:
- Já não chega ser professora? Advogado é coisa pra homem.
No Ahú, bairro operário de italianos, nós as mulheres se não fôssemos salvas pelo casamento, tínhamos que trabalhar no comércio, na Fábrica de Velas Estearina ou na Lucinda, onde se faziam as melhores bolachas.
Ser professora já era muito bom...

Na faculdade eram tempos de política.
A maioria dos meus colegas de turma era bem-nascida. Não trabalhavam e muitos deles faziam parte do grupo conhecido mais tarde como “esquerda festiva”. Reuniam-se para confabular, “subverter” a ordem e tomar uísque. E, enquanto teorizavam sobre a miséria e a injustiça, eu, numa inversão bíblica, tinha que ganhar a vida com o suor do meu rosto.
Além da escola, eu trabalhava junto à ação social da igreja numa favela que existia atrás da Penitenciária Provisória do Ahu e na própria penitenciária.
Quando Jânio “renunciou” por causa de “forças ocultas”, fiquei com medo que as forças oficiais impedissem Jango assumir a Presidência da República.
Tentava explicar para os meus pequenos alunos a importância das leis, da Constituição, da Democracia.
Nós acreditávamos no Brasil, cantávamos hinos patrióticos na hora da entrada das aulas.
Na sexta feira a Bandeira era hasteada, balançando no vento o verde das nossas florestas, o amarelo do nosso ouro e o azul límpido do nosso céu.
Tremulava também em nosso peito, o qual segurávamos reverentes, mão direita sobre o coração, enquanto cantávamos o Hino Nacional.
Nós tínhamos um grande país que nos enchia de um orgulho imenso e indefinido.

Jango assumiu a Presidência.
Nossas instituições estavam sólidas, mas alguma coisa no ar me oprimia.
Nada muito claro, como se nuvens escuras se acumulassem pouco a pouco no horizonte.
- Golpe?
- Ditadura?
Bobagem minha. Tudo parecia normal...demais.
Eu estava era imaginando coisas enquanto sonhava com o ano mágico de 1966, quando iria me formar.
As “minhas crianças” alheias ao meu desconforto, brincavam alegremente nos recreios e me faziam concluir:
- Afinal de contas ninguém chegou a ponto de assustar as criancinhas!
Estariam alheias?

Voltemos à aula de História do Brasil:
- Acir, me fale sobre o “Dia do Fico”.
- Então, Dona (ainda não era Tia), o Dom João vendo que o Brasil ia se libertar de Portugal, disse pro seu filho:
- Meu filho, ponha a coroa do Brasil sobre a tua cabeça, antes que algum “COMUNISTA” lance mão dela!!!